quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Não deve haver perdão a multas da Odebrecht

O Globo

Empresa recorreu a Toffoli para deixar de pagar por crimes confessados com fartura de provas

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STFDias Toffoli recebeu no último dia 9 um pedido da Novonor — novo nome da Odebrecht — para suspender os pagamentos à União relativos à multa de R$ 3,8 bilhões imposta pelo acordo de leniência firmado pela empresa na Operação Lava-Jato. A Novonor reivindica tratamento semelhante ao recebido de Toffoli pela holding J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Em dezembro, numa decisão provisória que ainda não foi examinada por outros ministros do Supremo, Toffoli suspendeu os pagamentos da multa de R$ 10,3 bilhões que a J&F concordara em pagar no acordo de leniência com o Ministério Público Federal no âmbito de outra operação paralela à Lava-Jato, a Greenfield.

O recuo nos acordos de leniência firmados por empresas que confessaram seu envolvimento em crimes e falcatruas com dinheiro público é mais um capítulo lastimável na sucessão de retrocessos no combate à corrupção nos últimos anos. Para Toffoli, havia no caso da J&F “no mínimo dúvida razoável” a respeito de um requisito essencial ao acordo: ser voluntário. Se a justificativa já é questionável para a J&F, usá-la para a Odebrecht seria completamente fora de propósito.

A Odebrecht entregou de forma voluntária provas de corrupção em 49 contratos. Os dados de seu sistema de pagamento de propina foram mantidos intactos, e mais de 70 executivos subscreveram as delações. Empresários, políticos e executivos confessaram crimes. Tudo foi registrado em gravações atestando que não houve coerção. A Odebrecht ainda firmou acordo com autoridades americanas e suíças admitindo ter pagado US$ 788 milhões em propina em 12 países. Apesar de tudo isso, em setembro passado Toffoli surpreendeu o mundo jurídico ao anular todas as provas da delação da empresa, embora não tenha invalidado o acordo. Na ocasião, a Novonor não manifestou intenção de rompê-lo. Agora aparentemente mudou de ideia.

Para justificar a anulação das provas, Toffoli citou as mensagens obtidas ilegalmente com conversas entre os procuradores da Lava-Jato e o ex-juiz Sergio Moro e afirmou que não havia acordo internacional para o envio de dados da Suíça para o Brasil. Pouco tempo depois, foi desmentido pelos fatos: havia o acordo. Nem assim o caso voltou a ser avaliado pelos demais ministros da Corte. Ao constatar eventuais problemas, não teria havido outra alternativa além da anulação total?

Os erros e abusos dos procuradores e de Moro são de conhecimento público. Tão ou mais evidente é a capacidade de os envolvidos em corrupção escaparem das garras da Justiça, mesmo quando há fartura de evidências. No caso da Lava-Jato, as empresas foram condenadas também no exterior com base nas mesmas provas. Mais que as multas, está em jogo a credibilidade da própria Justiça. Dada a relevância do tema num país com o histórico de impunidade do Brasil, a avaliação não pode recair sobre um único ministro. Deveria ser colegiada. A Segunda Turma, que cuida dos casos da Lava-Jato, e mesmo o plenário do Supremo têm o dever de examinar a questão, para que não paire dúvida sobre sua solidez jurídica.


Insistir em vistos é o contrário do que Brasil precisa para fortalecer turismo

O Globo

Governo deveria voltar a cancelar exigência para cidadãos americanos, australianos e canadenses

O governo adiou para abril a exigência de visto de entrada no Brasil para cidadãos americanos, australianos e canadenses. A obrigatoriedade deixou de existir no governo Jair Bolsonaro, em 2019, mas, logo depois da posse, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que voltaria atrás na decisão, sob o argumento de que cidadãos brasileiros precisam de visto para entrar nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália (no jargão diplomático, tal argumento é conhecido por “reciprocidade”).

Tramita no Congresso projeto acabando com a exigência dos vistos. Ele nem seria necessário se o próprio governo tivesse o bom senso de aproveitar a extensão do prazo para cancelá-la. A volta do visto é contraproducente. De um lado, recriar a barreira a quem quer visitar o Brasil traz consequências negativas ao turismo. De outro, em nada mudará a exigência de visto para brasileiros entrarem nos outros países, ligada a fatores locais.

Dentro do governo, o Itamaraty defende a reciprocidade. Se brasileiros precisam de visto para entrar num país, nada mais justo, afirma o ministério, que impor a mesma exigência. Até como forma de pressão para acabar com ela. Só que a realidade contraria essa visão. Ao longo de todos os anos em que vigorou o visto para os três países, em nenhum momento eles consideraram abrir mão dele para brasileiros.

Os motivos estão ligados à imigração ilegal, ditada por circunstâncias econômicas e políticas locais. Mais de 30 mil brasileiros foram pegos tentando entrar ilegalmente nos Estados Unidos só em 2023. Outros entraram legalmente com visto, mas ficaram além do tempo de permanência, prática também comum no Canadá e na Austrália.

Ao mesmo tempo, não é difícil imaginar o que acontecerá se turistas americanos, canadenses e australianos tiverem de voltar a tirar visto para visitar o Brasil. Garçons e cozinheiros em bares e restaurantes, camareiros e recepcionistas em hotéis, motoristas de aplicativos, funcionários de empresas aéreas e aeroportos — toda a cadeia produtiva do turismo terá menos trabalho.

Entre janeiro e novembro de 2023, 593.246 turistas americanos visitaram o Brasil, segundo os dados oficiais. O contingente é superado apenas pelos argentinos. A soma de canadenses e australianos chegou a 118.020. As entradas dos três países cresceram 23% em relação a 2018, último ano com exigência do visto. De modo geral, turistas de países ricos gastam bem mais que os da América do Sul. Nos 11 meses entre janeiro e novembro, o turismo internacional rendeu R$ 30,8 bilhões, de acordo com o Banco Central.

Ainda é pouco perto do potencial brasileiro. O Brasil recebe turistas em quantidade comparável a Machu Picchu, no Peru, destino também distante da América do Norte e da Europa, também com imagem ruim em termos de segurança pública. O governo deveria se dedicar a lidar com nossas dificuldades e reforçar nossas vantagens. Insistir na exigência dos vistos é o contrário do que o país precisa para atrair mais turistas. É hora de ouvir menos os diplomatas e mais o próprio setor.

Para Trump, o maior teste não é vencer primárias republicanas

Valor Econômico

Além de se desvencilhar de processos judiciais em plena campanha, ex-presidente terá de diminuir sua alta rejeição

Com as primárias partidárias de Iowa, na terça-feira, teve início uma campanha eleitoral que promete ser a mais tumultuada em décadas nos Estados Unidos. Antes mesmo do início do calendário da disputa, dois Estados, Maine e Colorado, impediram que Donald Trump, candidato preferido pela maioria dos republicanos, segundo as pesquisas, tivesse seu nome inscrito na cédula. Motivo: participação em insurreição, em referência à invasão do Capitólio para impedir o democrata Joe Biden de tomar posse. A Suprema Corte julgará o caso. Ao longo da campanha, pelo menos três processos contra Trump poderão ser julgados - o de que incitou uma insurreição contra a democracia será feito em breve, 4 de março. Há inclusive a possibilidade de Trump ser condenado, ir preso, vencer as eleições, e governar até em prisão domiciliar. Como presidente, poderia perdoar seus próprios crimes, segundo juristas, mas poderia haver também questionamentos legais. Como isso nunca ocorreu, a hipótese nunca foi testada na prática.

Donald Trump começou sua caminhada eleitoral com grande e previsível vantagem, 51%, sobre seus concorrentes, o governador da Flórida, Ron DeSantis (21%), a ex-embaixadora americana na ONU Nikki Haley (19%) e o empresário de biotecnologia Vivek Ramaswamy (7,7%). Haley, que quer se firmar como a principal rival do ex-presidente, pode ir melhor nas primárias de New Hampshire, na terça-feira, 23. Pesquisas a colocam como preferida de 30% dos eleitores, ante 43,5% que pretendem votar em Trump e apenas 5,4% em DeSantis.

Iowa era um território amigo para o radical republicano: pesquisa de boca de urna mostrou que mais da metade dos que foram às urnas acredita que Biden não ganhou legitimamente as eleições de 2020. Nacionalmente, é igual a fatia dos republicanos que acreditam na narrativa de fraude, para a qual não existem mínimos indícios ou provas.

Haley tenta se manter na corrida porque sabe que Trump é um candidato vulnerável. Os processos judiciais que se desenrolarão durante a campanha trazem forte narrativa contra o republicano, não só por atentados contra a democracia, como por fraude corporativa, com multa pedida pela promotoria de Nova York de US$ 370 milhões. As desventuras judiciais de Trump podem afastar apoio de republicanos moderados, os quais Haley diz representar. Além disso, Haley, em pesquisa da CBS News/YouGov, é a candidata do partido que venceria Biden por maior margem se as eleições fossem hoje: 53% contra 45%, ante 50% a 48% de Trump e 51% a 48% de DeSantis.

Sem reviravolta radical no cenário, Haley não é páreo para Trump. O ex-presidente tem uma média de 63% de apoio no partido, ante 12% da candidata, de acordo com o agregador de pesquisas FiveThirtyEight. Por mais estapafúrdias que sejam as histórias de Trump sobre a eleição que perdeu, são elas que prevalecem em um partido no qual boa parte acha válido recorrer a métodos antidemocráticos para impedir a posse de um rival.

Trump promete ir à forra contra seus inimigos, encastelados no “pântano” de Washington, assim como aprofundar políticas protecionistas, desta vez não só contra a China, mas contra todos - ele tem dito que imporá uma tarifa de 10% sobre todas as importações. Nos processos sobre suas ações para desvirtuar eleições e impedir a posse de Biden, Trump mostra sua concepção de democracia ao alegar que, pela lei, nunca poderia ser processado como presidente por seus atos, fossem eles quais fossem. É uma visão que se assemelha a de um país sem instituições, não aos EUA. A Justiça dará a palavra final.

Biden é um candidato fraco, embora não tenha cometido grandes erros. A economia se manteve em boa forma durante seu mandato até agora, com nível de emprego recorde. Sua política econômica, embora protecionista, é mais ampla e sofisticada para criar empregos, estimular e modernizar a indústria americana e preparar o país para mudanças climáticas. O ritmo da economia deve diminuir a partir de agora, o que é um problema para um presidente cujo trabalho não foi bem avaliado quando ela caminhava bem. A agregação de pesquisas mostra que 56% dos americanos desaprovam a atuação de Biden, enquanto 38,6% a aprovam. Sua popularidade agora é a menor que a dos últimos presidentes que tentaram a reeleição no início do ano da disputa.

Mas, apesar disso, está em pé de igualdade com Trump nas pesquisas, nas quais a diferença segue mínima e dentro da margem de erro. Isso porque há o outro lado da moeda: Trump não é um valentão amado. Pouco mais da metade dos americanos (52%) tem uma opinião desfavorável em relação a ele e 42,3%, favorável, uma avaliação que varia muito pouco nos últimos dois anos (FiveThirtyEight). Se o quesito é impopularidade, Biden e Trump também estão empatados na margem de erro. Com o início da campanha, o democrata vai concentrar seu fogo na ameaça autoritária que Trump e radicais republicanos representam. A seu favor terá a exposição pública das peripécias do rival na prestação de contas à Justiça, pelo mesmo motivo. Se isso será suficiente para vencer Trump só o futuro dirá.

Estatal fisiológica

Folha de S. Paulo

Uso político da Codevasf é parte de arranjo que não será superado com bravatas

No papel, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) é uma estatal federal. Entretanto ela não é uma empresa que gere receitas para bancar seu custeio e seus investimentos, o que fica a cargo do bolso do contribuinte.

A falta de recursos próprios não impede a Codevasf de expandir projetos e atividades, graças aos interesses do mundo político. No projeto original de Orçamento para 2023, a estatal contava com modestos —para os padrões brasilienses— R$ 874 milhões; ao final do ano, os gastos autorizados chegavam a R$ 3,5 bilhões.

A multiplicação no início do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) repete a que já ocorria sob Jair Bolsonaro (PL). As dotações orçamentárias da empresa para 2022 saltaram de R$ 909 milhões propostos para R$ 3,3 bilhões.

Levantamento da Folha mostra que no ano passado as licitações da Codevasf para obras e aquisições somaram R$ 5,3 bilhões, pouco abaixo dos R$ 5,6 bilhões, em valores corrigidos, de 2021 (em 2022, foram R$ 3,8 bilhões). Há, pois, desembolsos garantidos no futuro.

A pujança se deve ao empreendedorismo político-eleitoral de parlamentares e dirigentes que usam a companhia —na prática, uma repartição do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional— para direcionar verbas federais a seus redutos locais.

Em contraste com o desenvolvimento prometido nos nomes da pasta e da estatal, os recursos são pulverizados em iniciativas de prioridade e qualidade duvidosas, para nem mencionar os casos de lisura sob suspeita. Exemplo quase caricatural é o do asfalto que se esfarelava em cidades nordestinas, que ganhou o noticiário.

Esse arranjo disfuncional está entre os sustentáculos do entendimento mínimo entre o centrão, a massa amorfa de partidos fisiológicos dominante no Congresso, e o Palácio do Planalto —não importando aí seu ocupante.

Lula e outros petistas que atacaram a farra das emendas parlamentares durante a campanha eleitoral não tardaram a aderir ao modelo depois de vitoriosos.

Inexiste saída fácil e rápida para ele no presidencialismo brasileiro de múltiplos partidos, no qual o Executivo perdeu poderes sobre o Orçamento para o Legislativo. Ajustes do sistema politico, como a correta cláusula de desempenho para reduzir o número de legendas, são apenas parte do caminho.

Há que cobrar critério, transparência e prestação de contas das emendas parlamentares. Expor os desmandos é um começo.

Indústria do concurso

Folha de S. Paulo

Certame nacional unificado traz avanço, mas urge combater distorções mais graves

Por permitirem acesso a salários acima da média do mercado e estabilidade quase absoluta no emprego, os concursos públicos atraem atenção desproporcional no país, a ponto de reunirem atividades econômicas, políticas e jurídicas em torno de si.

Cursos preparatórios para as provas e professores especializados se espalharam pelas maiores cidades; candidatos não selecionados acionam advogados em busca da vaga na Justiça; aprovados fazem lobby nos três Poderes para serem contratados em tempo hábil.

No mais das vezes, o processo atende ao interesse não do serviço público, mas dos assim chamados concurseiros —termo cuja vulgarização também revela como o propósito dos certames se desvirtuou.

A seleção tende a favorecer candidatos que dispõem de tempo e dinheiro para se preparar, em geral nas metrópoles. Os exames, que privilegiam questões objetivas, pouco ou nada aferem experiência e vocação. Grande parte dos admitidos segue disputando postos ainda mais vantajosos.

Nesse contexto, há avanços no recém-instituído Concurso Público Nacional Unificado, apelidado de "Enem dos concursos". De mais importante, possibilita-se que interessados participem em 220 cidades de todas as unidades da Federação, com taxa de inscrição mais barata e mais opções de aproveitamento dos selecionados.

Outros aperfeiçoamentos estão em debate, como projeto já aprovado pela Câmara e em tramitação no Senado que estabelece regras nacionais para reduzir a judicialização. Especialistas defendem certames em mais etapas, incluindo análise de currículo e entrevista —o que, para outros, eleva riscos de favorecimentos pessoais.

Fato é que há distorções mais profundas a enfrentar, a começar pela ausência de diagnósticos transparentes sobre as reais necessidades de pessoal nos órgãos dos três níveis de governo. Sem isso, concursos são suspensos ou acelerados conforme preferências dos governantes e pressões dos servidores.

Hoje exagerados, ao menos na administração federal, os salários iniciais das carreiras deveriam ser reduzidos de modo a desencorajar a rotatividade. O alcance desmesurado da estabilidade no emprego igualmente precisa ser revisto, não para promover demissões em massa, mas especialmente para desestimular a ineficiência.

O concurso é instrumento precioso para a profissionalização do serviço público e merece ser valorizado. Não pode ser encarado, entretanto, como meio de ingresso em uma casta privilegiada.

O declínio da atratividade do Brasil

O Estado de S. Paulo

Pesquisa com CEOs divulgada em Davos mostra que o País já não está entre os primeiros mercados considerados cruciais para as grandes empresas globais, mas há espaço para recuperação

Pela primeira vez em dez anos, o Brasil ficou fora da lista de países considerados estratégicos pelos principais executivos do mundo. A 27.ª edição da CEO Survey, realizada anualmente pela consultoria internacional PwC e divulgada na abertura do Fórum Econômico Mundial em Davos, revelou que o País ficou com a 14.ª posição entre os mercados avaliados como cruciais para o crescimento dos negócios de suas empresas, atrás de Estados Unidos, China, Alemanha, Reino Unido, Índia, França, Canadá, Japão, Austrália e México.

Na pesquisa, realizada entre os meses de outubro e novembro, mais de 4,7 mil executivos em 105 países foram instados a citar três nações e territórios que eram os mais importantes na estratégia de crescimento de suas respectivas organizações, com exceção daquele em que o participante reside.

É inegável que a pandemia de covid19 mudou a dinâmica do ambiente geopolítico e econômico e, consequentemente, a visão que os CEOs têm sobre o Brasil. Mesmo os Estados Unidos, que lideraram o ranking deste ano, registraram queda nas menções por executivos. Foram citados por 40% deles no ano passado e por 29% neste ano. Segunda da lista, a China também teve queda nas menções, de 23% em 2023 para 21% em 2024. E nada menos que 30% dos executivos não indicaram nenhum país como relevante para o crescimento de suas empresas nos próximos anos, ante 19% no ano anterior.

O claudicante desempenho da economia na última década também explica parte da perda da relevância que o Brasil já teve no passado em termos globais. Há, no entanto, muito espaço para o País recuperar posições, tanto que os CEOs das companhias brasileiras demonstraram mais otimismo que o restante dos líderes empresariais.

Segundo a pesquisa, 55% dos presidentes das grandes empresas nacionais apostam na aceleração do crescimento econômico brasileiro, 15% apostam em estabilidade e 29% trabalham com a hipótese de uma recessão. Somente os chineses e os indianos demonstraram maior otimismo em relação às suas economias.

Isso tem tudo a ver com o controle da inflação, segundo o sócio-presidente da PwC Brasil, Marco Castro.

“É um traço cultural do brasileiro ser mais otimista do que a média global. E, talvez, ela se justifique neste momento por causa de alguns elementos. O assombro que a inflação representa para o brasileiro é muito maior do que para qualquer outra pessoa lá fora no passado recente”, disse Castro. “O fato de a inflação estar controlada, numa fase descendente, dá um sinal positivo para as reações do mercado. A taxa de juros está sendo reduzida, o que também dá um alívio para as empresas”, afirmou.

A trajetória mais recente do País mostra que há espaço para recuperar sua relevância no exterior. Desde 2016, por exemplo, o Congresso aprovou as reformas trabalhista e previdenciária, além de leis importantes como o marco do saneamento e a autonomia do Banco Central.

No ano passado, o País venceu um gargalo histórico ao aprovar a reforma tributária sobre bens e serviços, tema a ser regulamentado nos próximos meses. A força do agronegócio impulsionou as exportações e o crescimento econômico, o desemprego continua baixo e a renda se recuperou parcialmente depois de anos de estagnação.

Ainda há um enorme problema estrutural a ser enfrentado na área fiscal. O vigor do arcabouço ainda precisa ser testado, as receitas não se recuperaram da forma como a equipe econômica previa e o governo é avesso a qualquer debate sobre corte de despesas. Há muitas oportunidades de desenvolvimento na economia verde e na transição energética, mas aproveitá-las demandará investimentos pesados em educação e qualificação profissional.

Os desafios são grandes, mas o caminho para enfrentá-los já é mais do que conhecido. Basta não se desviar dele e seguir na trajetória de reformas que ampliem a segurança jurídica, fortaleçam o ambiente de negócios e atraiam mais investimentos. Só isso será capaz de proporcionar um crescimento econômico sustentável que devolverá ao País a relevância internacional que já teve no passado.

Não há bala de prata contra o bullying

O Estado de S. Paulo

Lei que tipifica o bullying é vaga e desproporcional. Ademais, é ilusão pensar que basta a lei para deter a violência contra crianças nas escolas. Pais e professores têm papel fundamental

Está em vigor no País a Lei 14.811/24, sancionada pelo presidente Lula da Silva no dia 15 passado. A nova lei alterou o Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a chamada Lei dos Crimes Hediondos para tipificar o crime de bullying, inclusive em sua modalidade digital, o cyberbullying, e agravar as penas cominadas a delitos cometidos contra menores de 18 anos.

Pratica o crime de bullying quem “intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais”. Quando essas agressões são praticadas no ambiente digital, vale dizer, por meio de redes sociais, aplicativos ou jogos online, está-se diante do cyberbullying.

Bullying e cyberbullying são violências que afetam milhões de crianças e jovens no mundo inteiro, deixando cicatrizes profundas e não raro duradouras em suas vítimas. No Brasil, esses ataques se tornaram preocupação crescente de alunos, professores, pais e responsáveis, exigindo do Estado a implementação de leis voltadas à prevenção de casos e à punição dos agressores. Das famílias e da chamada comunidade escolar tem sido exigido um envolvimento cada vez mais presente na educação dos menores com vista à criação de um ambiente escolar mais seguro e acolhedor para todos.

Eis a questão central. A Lei 14.811/24 tem méritos, entre os quais o de elevar o grau de proteção jurídica da integridade física e psíquica de crianças e adolescentes, sabidamente mais vulneráveis, e de fomentar ações de prevenção da violência nas escolas, criando protocolos para resguardar os alunos nos estabelecimentos educacionais. Contudo, não se deve esperar que a edição da lei, sozinha, sirva como panaceia para os males que ocorrem nas escolas, principalmente uma lei que tem lacunas bastante problemáticas.

Ainda não está claro, para citar apenas um exemplo, como e a quem as penas serão aplicadas. De acordo com a Lei 14.811/24, o bullying está sujeito à pena de multa, “se a conduta não constituir crime mais grave”. Mas, afinal, qual será o valor dessa multa e quem haverá de pagá-la? O infrator? Seus pais ou responsáveis? A direção da escola onde ocorreu o ataque? Já o cyberbullying é punido com pena de 2 a 4 anos de reclusão, além de multa. Por que o legislador entendeu que a violência contra menores praticadas na internet é mais grave do que sua modalidade presencial, a ponto de levar à cadeia quem a comete? Terá sido pelo alcance potencial dos danos causados às vítimas? Não se sabe.

Que fique claro: é de vital importância, literalmente, que o poder público tenha à sua disposição meios jurídicos para coibir a prática de violência dirigida e sistemática contra crianças e adolescentes. Em casos extremos, o bullying e o cyberbullying podem levar as vítimas à morte. Nesse sentido, era preciso ter um poderoso instrumento de dissuasão. É ilusório, porém, pensar que só a Lei 14.811/24 basta para eliminar todos os riscos a que estão expostos crianças e adolescentes nas escolas, creches e universidades País afora. Convém lembrar que a legislação anterior sobre bullying no País, de 2015, revelou-se ineficaz para a prevenção de casos de violência contra crianças e adolescentes em idade escolar, como tristemente ficou notório nesses últimos oito anos. É preciso ir além das leis.

As famílias têm um papel crucial na prevenção do bullying. Educar os filhos sobre respeito mútuo, empatia e tolerância desde a infância é dever dos pais e responsáveis. Já nas escolas, professores e demais profissionais devem estar atentos aos possíveis casos de violência, além de acolher as vítimas e promover ações que desenvolvam uma cultura de paz nas escolas, sem a qual não há aprendizado possível. Como tantas outras mazelas, o bullying não desaparece com uma bala de prata.

Confusão guatemalteca

O Estado de S. Paulo

Tensão golpista cercou a posse do novo presidente da Guatemala; democracia triunfou, por ora

Em respeito à vontade dos eleitores e ao Estado Democrático de Direito, o presidente eleito da Guatemala, Bernardo Arévalo, finalmente tomou posse na noite de domingo após nove horas de tensão. Manobras de última hora do Ministério Público e de políticos e magistrados conservadores para tentar deslegitimar a vitória eleitoral de Arévalo, sociólogo e ex-diplomata de centro-esquerda que obteve 60% dos votos válidos, atrasaram a cerimônia. Mas as reações de chefes de Estado e de representantes de governos estrangeiros ali presentes, bem como manifestações populares, impediram a mais recente tentativa de ruptura institucional. Na Guatemala, ao menos por ora, a democracia prevaleceu.

Não causa assombro a resistência de setores da classe política, do Ministério Público e do Judiciário à posse de um político progressista que prometera, na campanha eleitoral, reavivar a democracia e combater a corrupção endêmica no país. A Guatemala figura entre os países mais corruptos entre os 180 avaliados pela organização Transparência Internacional e mostra-se tão vulnerável quanto o Equador aos objetivos dos múltiplos cartéis do narcotráfico ali presentes de corroer as instituições. Aos favorecidos por esse statu quo, a continuidade da vista grossa do agora ex-presidente Alejandro Giammattei bem valeria um golpe de Estado.

A mais recente iniciativa do Ministério Público contra Arévalo surgiu com o veto à diplomação dos deputados eleitos de seu partido, o Semilla, o que não permitiria sua própria posse no Congresso. Essa foi apenas a última de uma série de investidas antidemocráticas desde o segundo turno das eleições presidenciais, em agosto. A lisura das urnas eletrônicas e a legalidade da candidatura de Arévalo e de seu partido foram contestadas no Tribunal Supremo Eleitoral, sem trégua nem argumentação plausível. Tal movimento contradiz os fatos de as eleições guatemaltecas e seus resultados terem sido avalizados por mais de 8.000 observadores, dentre os quais os enviados pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pela União Europeia.

Articulações políticas internas foram essenciais para evitar a ruptura democrática no país nos seis meses entre o segundo turno e a tumultuada posse, que se deu em um centro cultural da Cidade da Guatemala. Mas as reações dos Estados Unidos, da União Europeia e da OEA mostraram-se determinantes – sobretudo no momento da posse de Arévalo.

Não se prevê o apaziguamento da Guatemala no curto prazo. Muito menos uma gestão minimamente tranquila para o novo presidente. A execução de sua agenda anticorrupção será posta à prova pelos setores antidemocráticos. O Orçamento exíguo do país limitará as políticas em favor dos pobres – 60% dos guatemaltecos estão abaixo da linha de pobreza –, justamente os mais afetados pela violência das gangues e que arriscam a vida tentando emigrar para os EUA. A garantia internacional para a posse de um governo essencialmente democrático terá, agora, de converter-se em apoio político, cooperação, financiamento e investimentos.

É preciso falar do combate à desigualdade no mundo

Correio Braziliense

Vista como menos urgente do que as mudanças climáticas, mas tão necessária quanto, a desigualdade social não estará no foco direto das discussões do Fórum Econômico Mundial

O Fórum Econômico Mundial, que ocorre em Davos, nos Alpes Suíços, vai se dedicar aos temas que envolvem a transição climática e a ponte para uma economia que descarboniza sua geração de riqueza, sob pena de não mais haver retorno na elevação da temperatura do planeta e na ameaça a milhões de seres humanos no futuro próximo. Gerar empregos, fazer da inteligência artificial o motor para a economia e para a sociedade, a segurança e a cooperação em um mundo fragmentado, e, obviamente, uma estratégia para o clima e a energia são os temas do Fórum, que, entre chefes de Estado, presidentes de empresas, representantes da sociedade civil, meios de comunicação e líderes juvenis, deve reunir 2.500 pessoas nos dias de debate.

Vista como menos urgente do que as mudanças climáticas, mas tão necessária quanto, a desigualdade social não estará no foco direto das discussões, sobretudo porque um dos seus maiores defensores atuais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não participará do evento. Ao jogar o Fórum Econômico para segundo plano, Lula perde a primeira janela internacional para pôr em prática a prioridade fixada para sua gestão à frente do G20: de combate à fome e à desigualdade social.

Ao deixar a representação do Brasil em Davos 2024 como responsabilidade da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, e do assessor especial da Presidência, Celso Amorim, o governo brasileiro prioriza as mudanças climáticas em detrimento de uma agenda social. Isso exatamente no momento em que um estudo da Oxfam mostra que o mundo está perto de ter os primeiros trilionários até 2033, enquanto para erradicar a pobreza serão necessários 230 anos. E a aposta da Oxfam está exatamente no Brasil para encabeçar a demanda de se fixar metas de redução da desigualdade, assim como há metas para redução da emissão dos gases do efeito estufa.

Os dados do relatório Desigualdade S.A — Como o poder corporativo divide nosso mundo e a necessidade de uma nova era de ação pública, divulgado na segunda-feira, mostram que a fortuna das cinco pessoas mais ricas do mundo mais do que dobrou no ano passado, enquanto a renda de 5 bilhões de pessoas no mundo diminuiu. Pelo menos quatro dos cinco bilionários brasileiros mais ricos aumentaram em 51% sua riqueza desde 2020. Nesse período, outros 129 milhões de brasileiros ficaram mais pobres. A desigualdade social no mundo e no Brasil é gritante e está na origem da crise migratória nas Américas e da África para a Europa, assim como da fome a que estão condenados milhões de seres humanos.

A Oxfam estima que, se apenas os recursos usados em dividendos e recompra de ações para os 10% mais ricos em 2022 fossem redistribuídos aos 40% mais pobres, a desigualdade teria uma redução de mais de 20%. E, ainda, se metade do valor pago aos 10% mais ricos em 2022 fosse distribuído, seria suficiente para acabar com a pobreza global (US$ 6,85 por dia). Para a entidade, grandes empresas e monopólios estão aumentando a desigualdade social em toda a economia, sendo necessária uma ação dos governos de fortalecimento dos serviços públicos para a população e de cobrança de impostos sobre grandes fortunas e a parcela dos mais ricos, no sentido de aumentar a distribuição de renda e combater a desigualdade.

No Brasil, a desigualdade vem de longa data, hora tendo pequenas reduções, hora avançando. Na década de 1970, com o milagre econômico, se criou o conceito de que era preciso fazer o bolo crescer para, depois, distribuir, e o economista Edmar Bacha cunhou a expressão "Belíndia", para mostrar a proximidade do Brasil rico com a Bélgica e a parcela pobre com a Índia. A representação precisa ser atualizada. Não porque a realidade brasileira mudou, mas porque os países que foram referência no passado mudaram. A retomada dos programas sociais ajuda a diminuir a desigualdade, mas de forma ínfima. É preciso que as nações, e em especial o Brasil, adotem medidas para efetivamente combater a desigualdade, com estabelecimento de metas a serem cumpridas.

 

 

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