O Globo
Desdém com fórum mundial e ideia de controle
político sobre empresa privatizada há décadas mostram Lula preso a ideias do
passado
Que políticos têm obsessões particulares,
fruto de seu repertório cognitivo e afetivo e de sua história, é óbvio. Mas,
que um político tão experimentado, tanto no triunfo quanto na queda, como Lula
se mostre tão aferrado a essas cismas num mundo tão complexo quanto o de hoje,
é um tanto alarmante.
Desde que assumiu pela primeira vez a
Presidência, em 2003, Lula trata com certo desdém o Fórum Econômico Mundial, em
Davos. A forma de mostrar que esnobava a meca do capitalismo global foi dar o
mesmo peso à ida à cidadezinha da Suíça e a Porto Alegre, onde anualmente se
realizava o Fórum Social Mundial. Ok, tinha seu charme e fazia sucesso junto à
militância, uma vez que a importância do encontro anual em Davos tinha sido uma
das marcas do “neoliberal” Fernando Henrique Cardoso, que veio logo antes e cujo
legado era moda derrubar.
Mas o contraponto Davos-Porto Alegre sempre foi um reducionismo não verdadeiro. Para ter maior igualdade social, é preciso mudar estruturas da ordem global, e é em palcos como o suíço que um país bem articulado deve se fazer ouvir e mostrar que tem projetos para isso.
Daí por que, passados 20 anos, um Lula
maduro, que quisesse, de fato, fazer valer o slogan segundo o qual o Brasil
voltou ao tabuleiro mundial, deveria ir a Davos. Ou, no mínimo, mandar o
ministro da Fazenda ou o vice-presidente da República.
Até porque, em termos de contraponto com o
governo anterior, nunca se pode esquecer a participação bizarra de Jair
Bolsonaro em Davos logo antes da pandemia, eternizada no documentário “O
Fórum”: um peixe fora d’água deixado de lado pelos líderes mundiais e ironizado
pelos ativistas. Lula teria grande chance de demarcar a diferença de estatura
entre o atual presidente brasileiro e o que ocupou o posto até 2022.
Não se trata de menosprezar o peso que Marina
Silva tem lá fora. Mas até pelo fato de haver questões não arbitradas na pauta
ambiental e disputas internas, a presença de Alexandre Silveira na comitiva
meio que “anula” a simbologia de mandar a ministra para lá. Além do mais, a
greve dos servidores do Meio Ambiente, que se estende há semanas e compromete o
resultado que começava a ser construído no combate aos crimes ambientais, meio
que esvazia o trunfo que Marina poderia exibir publicamente.
Outra das obsessões passadistas de Lula que
resistem a cada Ano-Novo é a ideia de um capitalismo de Estado a despeito das
evidências. A insistência em aboletar o ex-ministro Guido Mantega no conselho
de administração da Vale se insere nessa visão de mundo que já passou na janela
e só Carolina e Lula não viram.
É uma espécie de terceira tentativa de dar a
Mantega o que Lula acha que lhe é devido. Não deu certo no BID, não colou a
ideia de tê-lo no comando da empresa, privatizada há longínquos 26 anos, e
agora vem esse plano C, que é ir colocando o petista aos poucos no conselho,
com um salário nada módico de R$ 100 mil, para, lá na frente, tentar construir
o acordo para que ele talvez emplaque como presidente da companhia.
Aparelhar o fundo de pensão da Previ para
atuar nas empresas de que é acionista é outro filme velho cuja reprise não
condiz com as prioridades do mundo em franca transformação. Mesmo na agenda
econômica há urgências batendo à porta do governo, um cobertor curto em termos
daquilo com que é possível contar para investir e questões que dependem de uma
imersão maior do presidente, até para evitar bateções de cabeça que possam
desaguar em crise, como essa questão malparada do vai não vai da reoneração da
folha de 17 setores da economia.
Na insistência em recriar um mundo conhecido,
Lula fecha os olhos para o existente e para um que vai se moldando — em que a
economia cresce menos e a emergência climática e a polarização política ameaçam
governos — e para o qual precisava estar mais bem apetrechado do que está.
Passando só para repetir::
ResponderExcluir■Como é maravilhosa a imprensa e os jornalistas que temos, aqui ilustrada por Vera Magalhães.
=>Eu, leitor fiel e leal, quantas vezes tive que defender Vera Magalhães de agressões de petistas!
Vera entende do riscado.
ResponderExcluir