Folha de S. Paulo
Convulsão no país deveria servir de alerta
sobre equívoco das políticas antidrogas adotadas nas últimas décadas
As sociedades convivem com muitas
adversidades, como inflação, recessão, ou mesmo catástrofes, mas dificilmente
toleram a desordem generalizada.
A convulsão
provocada pelo crime organizado no Equador, a
partir do interior de suas prisões dominadas pelo narcotráfico, deveria servir
de alerta para os demais países latino americanos, entre eles o Brasil, sobre o
equívoco das políticas antidrogas adotadas nas últimas décadas, assim como uma
indisposição quase atávica para assegurar o império da lei.
Tal como no Equador, o sistema prisional brasileiro, que hoje abriga mais de 600 mil presos, é fonte de enorme insegurança. Dominadas por facções criminosas, boa parte das prisões brasileiras se tornaram um dispositivo de recrutamento do crime organizado, que dali coordena suas operações.
Sem que haja um redirecionamento da politica
criminal, em especial a politica de drogas, que tem levado a um encarceramento
indiscriminado e ineficaz, o sistema carcerário continuará funcionando como
fomento às organizações criminosas.
Para enfrentar a criminalidade organizada
também é necessário contar com polícias
altamente profissionalizadas, eficientes e rigorosamente controladas, tanto
da perspectiva da corrupção como do uso da força, para que não se transformem
em parte do problema, como vem ocorrendo em diversos Estados brasileiro.
As políticas de "mão dura", de
liberação de armas para a população, de tolerância com a corrupção e a violência e conluio
com as milícias, patrocinada por muitos governadores populistas, apenas
contribuíram para deteriorar o sistema de segurança pública. Se é verdade que a
esquerda brasileira nunca teve muitas ideias sobre segurança pública, o fato é
que a direita teve, sobretudo, ideais ruins, que mais prejudicaram que
contribuíram para a pacificação da sociedade brasileira.
A boa notícia é que ao longo das últimas
décadas muito se aprendeu sobre o que funciona e o que não funciona no campo da
segurança. Há experiencias exitosas em diversos Estados, isso para não falar de
outros países, onde as curvas de criminalidade declinaram, ao mesmo tempo em
que a violência por parte de agentes do Estado também foi mitigada.
Esse movimento virtuoso passa pela adoção de
políticas de segurança baseadas em evidencias, pelo fortalecimento dos
mecanismos de inteligência, pela integração e modernização das agências
policiais, pela alteração da política de drogas e de armas de fogo, pela
qualificação dos agentes envolvidos na aplicação da lei, pelo emprego intensivo
de tecnologia, pelo policiamento orientado à solução de problemas, assim como
pela integração com políticas sociais e de segurança.
Ao assumir a pasta
da Justiça e Segurança Pública, o ministro Ricardo
Lewandowski terá à sua disposição um virtuoso repertório de políticas
de segurança a ser implementado em parceria com os Estados. Seu principal
desafio será convencer setores comprometidos com uma visão distorcida e
ineficaz de segurança, mas que rende muitos votos, sobre os benefícios de
modernizar o sistema brasileiro de segurança pública.
Não se deve pressupor que o perfil
discreto, conciliador e legalista do novo ministro o desabilite a
conduzir as reformas necessárias na segurança. Afinal, o que precisamos é de um
verdadeiro choque de legalidade e modernização na segurança, acompanhado pela
adoção de políticas comprovadamente eficientes e de uma habilidosa coordenação
entre as diversas esferas da federação, não de mais uma ineficiente e
barulhenta operação de lei e ordem.
O exemplo do Equador está aí, para nos
defrontar com o custo da omissão.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)
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