sábado, 27 de janeiro de 2024

Pablo Ortellado - Conservadorismo entre homens jovens

O Globo

A explicação mais simples é a reação ao movimento feminista

Na edição de ontem do jornal Financial Times, o repórter-chefe de dados, John Burn-Murdoch, compilou estatísticas interessantes mostrando a crescente divergência ideológica entre homens e mulheres jovens em diferentes países. Enquanto elas têm se tornado mais progressistas, eles se tornaram mais conservadores. A constatação merece reflexão.

Desde que a polarização política se tornou global, diversos pesquisadores perceberam um padrão demográfico. Enquanto os mais jovens aderem ao progressismo, os mais velhos se agarram ao conservadorismo. O principal estudo apresentando essa tese, a partir de dados dos Estados Unidos e Europa, é dos cientistas políticos Pippa Norris e Ronald Inglehart no já clássico livro “Cultural backlash” (Cambridge, 2019).

A divergência entre jovens progressistas e velhos conservadores explica em alguma medida a polarização política e a ascensão do populismo de direita. Embora os jovens progressistas sejam mais numerosos, os velhos conservadores são mais engajados e mais politizados e, em países onde o voto não é obrigatório, terminam se sobrepondo politicamente aos mais jovens.

Mas estudos mais recentes têm mostrado que, embora, na média, os mais jovens sejam mais progressistas, quando se separam as posições de meninos e meninas, a divergência é grande — algo que não acontece nas gerações mais velhas, em que homens e mulheres costumam ter opiniões parecidas.

Burn-Murdoch mostra que, na Coreia do Sul, nos Estados Unidos, na Alemanha e no Reino Unidoquando posta numa escala, a divergência de posições — progressistas entre as meninas e conservadoras entre os meninos — varia 20 pontos percentuais no Reino Unido e chega a 40 pontos na Coreia do Sul. A distância ideológica entre meninos e meninas é tão grande na Coreia do Sul que parece ter causado redução drástica nos índices de casamento e natalidade.

Não é apenas nesses países que isso tem acontecido. A socióloga chinesa Rujun Yang encontrou uma diferença de mais de 25 pontos percentuais na concordância entre meninos e meninas na China com afirmações sobre igualdade entre homens e mulheres — em perguntas como “Homens são mais competentes que mulheres?” e “Mulheres devem ser demitidas primeiro em caso de crise econômica?”.

A divergência entre homens e mulheres jovens sobre temas morais não se restringe, porém, ao feminismo. No Reino Unido, há redução nos últimos anos na concordância sobre a afirmação “A imigração mina a vida cultural na Grã-Bretanha” para homens e mulheres de todas as gerações, com exceção dos meninos jovens. Enquanto mais de 90% das meninas alemãs entre 18 e 29 anos discordam da frase “Estrangeiros vivendo na Alemanha deveriam se adaptar ao estilo de vida dos alemães”, apenas 25% dos meninos discordam. Eles não são apenas mais conservadores no tocante ao feminismo; são também em relação à imigração.

A amplitude global do fenômeno merece reflexão. A explicação mais simples é a reação ao movimento feminista: o avanço do feminismo, que tem maior adesão entre as meninas, assusta os meninos e os empurra ao conservadorismo moral. Como a polarização política alinha todos os temas morais, e não apenas o feminismo, as meninas foram se tornando progressistas e os meninos conservadores, em temas que vão do feminismo à imigração.

Se aceitarmos essa explicação, resta entender por que os meninos estão assustados com o feminismo. Podemos pensar, numa chave feminista tradicional, que a reação é uma defesa dos antigos privilégios masculinos e relutância em perdê-los. Mas podemos também pensar, numa chave crítica, que a forma como o feminismo hegemônico se expressa, com condenações morais e cancelamentos, não ajuda na persuasão dos jovens e os empurra para o campo político adversário.

 

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