O Globo
A explicação mais simples é a reação ao
movimento feminista
Na edição de ontem do jornal Financial Times,
o repórter-chefe de dados, John Burn-Murdoch, compilou estatísticas
interessantes mostrando a crescente divergência ideológica entre homens e
mulheres jovens em diferentes países. Enquanto elas têm se tornado mais
progressistas, eles se tornaram mais conservadores. A constatação merece
reflexão.
Desde que a polarização política se tornou global, diversos pesquisadores perceberam um padrão demográfico. Enquanto os mais jovens aderem ao progressismo, os mais velhos se agarram ao conservadorismo. O principal estudo apresentando essa tese, a partir de dados dos Estados Unidos e Europa, é dos cientistas políticos Pippa Norris e Ronald Inglehart no já clássico livro “Cultural backlash” (Cambridge, 2019).
A divergência entre jovens progressistas e
velhos conservadores explica em alguma medida a polarização política e a
ascensão do populismo de direita. Embora os jovens progressistas sejam mais
numerosos, os velhos conservadores são mais engajados e mais politizados e, em
países onde o voto não é obrigatório, terminam se sobrepondo politicamente aos
mais jovens.
Mas estudos mais recentes têm mostrado que,
embora, na média, os mais jovens sejam mais progressistas, quando se separam as
posições de meninos e meninas, a divergência é grande — algo que não acontece
nas gerações mais velhas, em que homens e mulheres costumam ter opiniões
parecidas.
Burn-Murdoch mostra que, na Coreia do Sul,
nos Estados Unidos, na Alemanha e
no Reino
Unido, quando posta numa escala, a divergência de posições —
progressistas entre as meninas e conservadoras entre os meninos — varia 20
pontos percentuais no Reino Unido e chega a 40 pontos na Coreia do Sul. A
distância ideológica entre meninos e meninas é tão grande na Coreia do Sul que
parece ter causado redução drástica nos índices de casamento e natalidade.
Não é apenas nesses países que isso tem
acontecido. A socióloga chinesa Rujun Yang encontrou uma diferença de mais de 25 pontos
percentuais na concordância entre meninos e meninas na China com
afirmações sobre igualdade entre homens e mulheres — em perguntas como “Homens
são mais competentes que mulheres?” e “Mulheres devem ser demitidas primeiro em
caso de crise econômica?”.
A divergência entre homens e mulheres jovens
sobre temas morais não se restringe, porém, ao feminismo. No Reino Unido, há
redução nos últimos anos na concordância sobre a afirmação “A imigração mina a
vida cultural na Grã-Bretanha” para homens e mulheres de todas as gerações, com
exceção dos meninos jovens. Enquanto mais de 90% das meninas alemãs entre 18 e
29 anos discordam da frase “Estrangeiros vivendo na Alemanha deveriam se
adaptar ao estilo de vida dos alemães”, apenas 25% dos meninos discordam. Eles não
são apenas mais conservadores no tocante ao feminismo; são também em relação à
imigração.
A amplitude global do fenômeno merece
reflexão. A explicação mais simples é a reação ao movimento feminista: o avanço
do feminismo, que tem maior adesão entre as meninas, assusta os meninos e os
empurra ao conservadorismo moral. Como a polarização política alinha todos os
temas morais, e não apenas o feminismo, as meninas foram se tornando
progressistas e os meninos conservadores, em temas que vão do feminismo à
imigração.
Se aceitarmos essa explicação, resta entender
por que os meninos estão assustados com o feminismo. Podemos pensar, numa chave
feminista tradicional, que a reação é uma defesa dos antigos privilégios
masculinos e relutância em perdê-los. Mas podemos também pensar, numa chave
crítica, que a forma como o feminismo hegemônico se expressa, com condenações
morais e cancelamentos, não ajuda na persuasão dos jovens e os empurra para o
campo político adversário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário