terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Pedro Cafardo - O papel das missões na nova política industrial

Valor Econômico

Plano de reindustrialização do país deve envolver cooperação entre governo e setor privado, pautando-se por direções, prioridades e instrumentos para alcançar objetivos econômicos e sociais no longo prazo

Não há mais muitas divergências nem conflitos ideológicos significativos sobre a necessidade de lançamento de uma nova política industrial no país. Ficou para trás a ideia de que o setor de serviços, apesar de sua importância na estrutura produtiva, viria a comandar o crescimento econômico. E isso é um entendimento global.

A discussão do problema da desindustrialização e das formas de correção desse processo maligno se tornou dominante nas economias, inclusive nos países desenvolvidos. O pensamento majoritário sugere que a indústria de transformação continuará sendo a principal propulsora do crescimento econômico e difusora do progresso tecnológico.

Em linha com esse entendimento, o governo brasileiro deve divulgar, provavelmente no dia 19, sua proposta do programa para orientar a “Neoindustrialização Brasileira”. Esse será, inclusive, o título de um livro a ser publicado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), organizado pelo cientista Sérgio Roberto Knorr Velho.

Este colunista teve acesso a um dos capítulos do livro, que tem um longo subtítulo: “Proposta de uma Política Nacional de Desenvolvimento para o Brasil: integrando missões econômicas, sociais e ambientais”. O texto foi escrito a pedido do Mdic pelos economistas André Nassif, da Universidade Federal Fluminense (UFF), e Paulo Morceiro, pesquisador sênior da Utrecht University (Holanda).

O capítulo, considerado na formulação da nova política industrial, baseia-se em um artigo acadêmico mais longo, escrito em inglês e finalizado pouco antes das últimas eleições presidenciais. Na ocasião, o texto original foi incluído entre os trabalhos que orientaram a equipe de transição do governo.

O objetivo do capítulo é propor as linhas gerais de um Plano Nacional de Desenvolvimento em prol da reindustrialização e da retomada do crescimento econômico. O conteúdo proposto é baseado na abordagem da grande economista italiana Mariana Mazzucato, professora da University College London, para quem a política industrial deve ser concebida, adotada e orientada por missões. O que isso significa? Na definição de Mazzucato, “significa escolher direções para a economia e selecionar os problemas que precisam ser resolvidos, colocando-os como objetivos centrais do sistema econômico”. Significa também “conceber políticas que catalisem o investimento, a inovação e a colaboração entre uma diversidade de agentes econômicos, envolvendo tanto empresas quanto cidadãos”.

E quais seriam as direções ou missões do plano de desenvolvimento no Brasil? Nassif e Morceiro elegem as principais: reindustrialização e revitalização industrial; promoção de inovações, fomento de progresso técnico e criação de vantagens comparativas dinâmicas; geração de empregos formais e redução de desigualdade social e regional; ampliação de investimentos em infraestrutura; integração com a economia digital; engajamento na economia verde, com substituição gradual de tecnologias com elevadas emissões de dióxido de carbono.

O arcabouço proposto implica, portanto, que o plano deve envolver uma cooperação entre governo e setor privado, pautando-se por direções, prioridades e instrumentos para alcançar objetivos econômicos e sociais no longo prazo.

Em vez de ser mera reestruturação do velho tecido industrial, a reindustrialização deve ser ancorada na adoção e difusão de inovações tecnológicas irradiadas de segmentos prioritários. Tais inovações terão de ser direcionadas a empresas que venham a receber benefícios governamentais via subsídios ou outra forma de estímulo que envolva recursos públicos.

Nassif e Morceiro sugerem que são necessários três requisitos principais para plano proposto: melhorar o ambiente de negócios para conseguir maior competitividade internacional; fazer uma reforma tributária (em parte já aprovada) para ampliar a progressividade dos impostos e reduzir seu grau de complexidade; adotar política comercial com tarifas médias de importação em nível moderado - eventual reforma de liberalização comercial, em vez de contemplar cortes lineares e generalizados de tarifas, deveria redefinir, caso a caso, a estrutura tarifária brasileira.

Há razoável consenso atualmente de que o Brasil foi um dos países em desenvolvimento mais severamente prejudicados pela desindustrialização prematura, aquela que se dá antes de o país atingir nível elevado de desenvolvimento. As estatísticas mostram isso claramente. O valor adicionado a indústria de transformação no PIB, que era de 21,1% em 1980, caiu para 11,9% em 2020 e hoje está em torno de 10%. É preciso fazer alguma coisa. Nassif e Morceiro sugerem um caminho: estabelecer missões e persegui-las ferozmente. E os resultados viriam.

 

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