Valor Econômico
Plano de reindustrialização do país deve
envolver cooperação entre governo e setor privado, pautando-se por direções,
prioridades e instrumentos para alcançar objetivos econômicos e sociais no
longo prazo
Não há mais muitas divergências nem conflitos
ideológicos significativos sobre a necessidade de lançamento de uma nova
política industrial no país. Ficou para trás a ideia de que o setor de
serviços, apesar de sua importância na estrutura produtiva, viria a comandar o
crescimento econômico. E isso é um entendimento global.
A discussão do problema da desindustrialização e das formas de correção desse processo maligno se tornou dominante nas economias, inclusive nos países desenvolvidos. O pensamento majoritário sugere que a indústria de transformação continuará sendo a principal propulsora do crescimento econômico e difusora do progresso tecnológico.
Em linha com esse entendimento, o governo
brasileiro deve divulgar, provavelmente no dia 19, sua proposta do programa
para orientar a “Neoindustrialização Brasileira”. Esse será, inclusive, o
título de um livro a ser publicado pelo Ministério do Desenvolvimento,
Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), organizado pelo cientista Sérgio Roberto
Knorr Velho.
Este colunista teve acesso a um dos capítulos
do livro, que tem um longo subtítulo: “Proposta de uma Política Nacional de
Desenvolvimento para o Brasil: integrando missões econômicas, sociais e
ambientais”. O texto foi escrito a pedido do Mdic pelos economistas André
Nassif, da Universidade Federal Fluminense (UFF), e Paulo Morceiro, pesquisador
sênior da Utrecht University (Holanda).
O capítulo, considerado na formulação da nova
política industrial, baseia-se em um artigo acadêmico mais longo, escrito em
inglês e finalizado pouco antes das últimas eleições presidenciais. Na ocasião,
o texto original foi incluído entre os trabalhos que orientaram a equipe de
transição do governo.
O objetivo do capítulo é propor as linhas
gerais de um Plano Nacional de Desenvolvimento em prol da reindustrialização e
da retomada do crescimento econômico. O conteúdo proposto é baseado na
abordagem da grande economista italiana Mariana Mazzucato, professora da
University College London, para quem a política industrial deve ser concebida,
adotada e orientada por missões. O que isso significa? Na definição de
Mazzucato, “significa escolher direções para a economia e selecionar os
problemas que precisam ser resolvidos, colocando-os como objetivos centrais do
sistema econômico”. Significa também “conceber políticas que catalisem o
investimento, a inovação e a colaboração entre uma diversidade de agentes
econômicos, envolvendo tanto empresas quanto cidadãos”.
E quais seriam as direções ou missões do
plano de desenvolvimento no Brasil? Nassif e Morceiro elegem as principais:
reindustrialização e revitalização industrial; promoção de inovações, fomento
de progresso técnico e criação de vantagens comparativas dinâmicas; geração de
empregos formais e redução de desigualdade social e regional; ampliação de
investimentos em infraestrutura; integração com a economia digital; engajamento
na economia verde, com substituição gradual de tecnologias com elevadas emissões
de dióxido de carbono.
O arcabouço proposto implica, portanto, que o
plano deve envolver uma cooperação entre governo e setor privado, pautando-se
por direções, prioridades e instrumentos para alcançar objetivos econômicos e
sociais no longo prazo.
Em vez de ser mera reestruturação do velho
tecido industrial, a reindustrialização deve ser ancorada na adoção e difusão
de inovações tecnológicas irradiadas de segmentos prioritários. Tais inovações
terão de ser direcionadas a empresas que venham a receber benefícios
governamentais via subsídios ou outra forma de estímulo que envolva recursos
públicos.
Nassif e Morceiro sugerem que são necessários
três requisitos principais para plano proposto: melhorar o ambiente de negócios
para conseguir maior competitividade internacional; fazer uma reforma
tributária (em parte já aprovada) para ampliar a progressividade dos impostos e
reduzir seu grau de complexidade; adotar política comercial com tarifas médias
de importação em nível moderado - eventual reforma de liberalização comercial,
em vez de contemplar cortes lineares e generalizados de tarifas, deveria redefinir,
caso a caso, a estrutura tarifária brasileira.
Há razoável consenso atualmente de que o
Brasil foi um dos países em desenvolvimento mais severamente prejudicados pela
desindustrialização prematura, aquela que se dá antes de o país atingir nível
elevado de desenvolvimento. As estatísticas mostram isso claramente. O valor
adicionado a indústria de transformação no PIB, que era de 21,1% em 1980, caiu
para 11,9% em 2020 e hoje está em torno de 10%. É preciso fazer alguma coisa.
Nassif e Morceiro sugerem um caminho: estabelecer missões e persegui-las ferozmente.
E os resultados viriam.
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