domingo, 14 de janeiro de 2024

Rolf Kuntz - Destravar o Brasil ainda é um desafio

O Estado de S. Paulo

Lula promete um ano mais próspero que o desenhado nas profecias do mercado. Seu discurso seria mais tranquilizador se explicasse como vai equilibrar as contas

A festa foi boa, a economia cresceu cerca de 3% e o desempenho brasileiro em 2023, começo do mandato presidencial, foi muito melhor que o previsto no fim do ano anterior pelos profetas do setor financeiro. Naquele momento, a mediana das projeções apontava uma expansão de 0,80%. Mas o pessimismo voltou. No mercado, o avanço estimado para 2024 ficou em 1,59%, no início do mês, segundo o boletim Focus de 8 de janeiro. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já falou em 2,2%. Na maior parte do setor privado, as apostas têm variado entre 1% e 2%.

Se os fatos confirmarem qualquer desses números, o avanço do País será, mais uma vez, inferior à média mundial projetada por instituições multilaterais e por grupos financeiros. Segundo indicou em outubro o Fundo Monetário Internacional (FMI), o produto bruto global deve aumentar 2,9% neste ano e o do Brasil, 1,5%. No cenário do Banco Mundial, os números estimados são 2,4% e 1,5%. Neste século, o dinamismo brasileiro tem sido geralmente menor que o de outros emergentes e inferior, também, ao da maioria dos países avançados. As projeções do FMI são revistas no início do ano. Haverá enorme surpresa se ocorrer grande melhora no quadro previsto para o Brasil.

Pelas projeções do Banco Central publicadas em dezembro, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil crescerá 1,7% em 2024. Essa estimativa é ligeiramente menor que a anterior, 1,8%. No cenário corrigido, a produção da agropecuária aumentará 1%; a da indústria, 1,7%; e a dos serviços, 1,9%.

O crescimento brasileiro tem sido puxado, nas últimas três décadas, principalmente pela atividade rural, fortalecida pela modernização de processos e pelo uso eficiente de insumos. Essa combinação tem permitido um aumento de produção bem maior que o das áreas ocupadas, como registram o Ministério da Agricultura e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Não há como ignorar ou relevar os estragos causados pelos devastadores. Mas as propriedades produtivas, segundo a Embrapa e o Cadastro Ambiental Rural, têm preservado e recuperado cerca de um terço das matas nativas.

O bom desempenho do agro na produção, na exportação e também na conservação ambiental tem contrastado com os números medíocres do setor industrial, especialmente da indústria de transformação.

Já se tornou frequente o uso da palavra “desindustrilização” para descrever o enfraquecimento do chamado setor secundário. A estagnação, ou até retrocesso da indústria, tem sido particularmente notável nos últimos dez ou doze anos.

Não se trata apenas de redução do peso do setor na formação do PIB. Essa mudança tem sido observada também nas economias mais avançadas, por causa do acelerado crescimento de um moderno setor de serviços. A experiência brasileira é diferente. No caso do Brasil, a estatística reflete também a perda de vigor de grande parte do setor industrial. Numa interpretação mais sombria, pode-se pensar, talvez, numa reversão do avanço industrial observado a partir do fim da 2.ª Guerra Mundial, dinamizado no período Kubitschek e sustentado, com algumas oscilações, até o fim do século passado.

Essa perda de vigor tem sido atribuída à combinação de vários fatores. Apontam-se com frequência o protecionismo excessivo, a baixa integração nas cadeias produtivas mundiais, a escassez de capital, o pouco investimento em tecnologia, a educação mal planejada, a insegurança jurídica e o excesso de barreiras burocráticas. Além desses entraves, é preciso levar em conta, num olhar retrospectivo, as crises nas contas públicas, os surtos inflacionários e os desarranjos cambiais – problemas vividos muitas vezes até a consolidação das mudanças iniciadas com o Plano Real.

Apesar das oscilações experimentadas nas últimas três décadas, nenhum surto inflacionário se igualou àqueles enfrentados até o início dos anos 1990. Além disso, nenhuma crise cambial paralisou o País neste século. Ano após ano, o País tem mantido contas externas saudáveis e um volume confortável de reservas de moedas fortes. Para os brasileiros nascidos e educados neste período, grandes desarranjos no balanço de pagamentos, um pesadelo constante na segunda metade do século 20, são apenas fatos históricos e noções abstratas.

Mas nenhuma dessas melhoras é uma bênção permanente. Mesmo quando o cenário interno é tranquilo, convém manter atenção a riscos externos. Um tiroteio em qualquer parte do mundo pode afetar o clima político e a operação do mercado internacional. Além disso, nenhum cenário interno é bastante seguro quando há grandes desafios econômicos. O desemprego diminuiu no ano passado, no Brasil, mas falta consolidar o mercado de trabalho e cuidar da indústria.

O presidente Lula da Silva promete um ano mais próspero que o desenhado nas profecias do mercado. O ano passado, lembrou, foi bem melhor do que indicavam as previsões iniciais. Ele pode estar certo, mas seu discurso seria mais tranquilizador se explicasse como se cuidará do objetivo, defendido pelo ministro da Fazenda e também relevante, de equilibrar as contas públicas.

 

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