quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Tostão - Grandes equipes da história têm a capacidade de simplificar o jogo

Folha de S. Paulo

No Manchester City, a bola sai do goleiro, de pé em pé, geralmente com um ou dois toques, sem complicação

Quando comecei a estudar psicanálise, imaginava que jamais entenderia as ideias de Freud, que elas seriam assunto para intelectuais, psicólogos e filósofos. Logo percebi que seus textos eram tão claros, precisos, convincentes e simples que até os mistérios da alma tinham lógica. Era a vida retratada nos seus livros. Freud colocou ordem no caos.

Quando atuei ao lado de Pelé, vi que, além de sua técnica exuberante, inigualável, uma das suas principais qualidades era tornar simples o que era complexo. Com poucos gestos, ações, tudo se iluminava à sua frente.

As grandes equipes da história, como o atual Manchester City, possuem, além de grandes jogadores e ótimos conjuntos, a capacidade de simplificar. A bola sai do goleiro, de pé em pé, geralmente com um ou dois toques. Não complicam. Quando o time se aproxima da área adversária, surgem os dribles e as jogadas de gol. Quando não dá para completar os lances, a bola volta, com frequência para o centromédio (volante) Rodri, que reinicia a jogada. Tudo simples.

No fim de semana, na vitória de virada por 3 a 2 sobre o Newcastle, o City perdia por 2 a 1. Sem mudar o estilo, a intensidade e a estratégia, continuou com o domínio da bola até fazer mais dois gols, que poderiam ter ocorrido em qualquer momento do jogo. A equipe não teve pressa nem atitudes heroicas para vencer. Muitas vezes, um time está bem perto de virar uma partida e o técnico, sem paciência para esperar, muda a maneira de jogar, substitui jogadores. A equipe perde a chance de ganhar.

Real Madrid, a segunda equipe que mais encanta no mundo, também se destaca pela simplicidade, pela troca de passes, pelo domínio da bola no meio-campo, até surgir nas costas dos defensores os espaços para os velozes e hábeis Vinicius Junior e Rodrygo receberem os lançamentos. Assim, o Real goleou o Barcelona por 4 a 1, na decisão da Supercopa da Espanha, jogo realizado na Arábia Saudita por causa do dinheiro de um país que viola os direitos humanos.

Dorival Júnior certamente assistiu ao jogo e deve estar pensando na possibilidade de usar na seleção o mesmo esquema tático do Real Madrid, com Rodrygo e Vinicius Junior formando dupla de ataque. No Real, eles têm a companhia do meio-campista Bellingham, que marca, dá passes precisos e ainda chega ao ataque para fazer gols. Paquetá poderia ter na seleção o posicionamento de Bellingham. A diferença principal entre a seleção e o Real seria o trio do meio-campo do time espanhol, muito superior ao do Brasil.

Vinicius Junior, que no início de sua trajetória no Real Madrid errava muito nas finalizações e com frequência tomava decisões erradas, corrigiu as falhas, evoluiu bastante e é hoje um craque, o único jogador brasileiro eleito pela Fifa na seleção mundial da última temporada.

Ouço e leio opiniões diferentes sobre Dorival Júnior. Uns acham que ele é o técnico certo para a seleção, por ser sóbrio, organizado, por ter bom senso, além de possuir ótimos conhecimentos técnicos e táticos. Outros reconhecem essas virtudes, mas acham que ele é um técnico muito previsível, pouco ousado, sem surpreender, e que o Brasil precisaria de um treinador mais inventivo, corajoso como Fernando Diniz, que deveria ter tido outra chance.

Precisamos aguardar os fatos, embora existam fortes argumentos mesmo contra os fatos, pois no futebol e na vida a verdade de hoje pode não ser a mesma de amanhã. "A vida dá muitas voltas, a vida nem é da gente." (João Guimarães Rosa)

 

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