Folha de S. Paulo
No Manchester City, a bola sai do goleiro, de
pé em pé, geralmente com um ou dois toques, sem complicação
Quando comecei a estudar psicanálise,
imaginava que jamais entenderia as ideias de Freud, que elas seriam assunto
para intelectuais, psicólogos e filósofos. Logo percebi que seus textos eram
tão claros, precisos, convincentes e simples que até os mistérios da alma
tinham lógica. Era a vida retratada nos seus livros. Freud colocou ordem no
caos.
Quando atuei ao lado de Pelé, vi que, além
de sua técnica exuberante, inigualável, uma das suas principais qualidades era
tornar simples o que era complexo. Com poucos gestos, ações, tudo se iluminava
à sua frente.
As grandes equipes da história, como o atual Manchester City, possuem, além de grandes jogadores e ótimos conjuntos, a capacidade de simplificar. A bola sai do goleiro, de pé em pé, geralmente com um ou dois toques. Não complicam. Quando o time se aproxima da área adversária, surgem os dribles e as jogadas de gol. Quando não dá para completar os lances, a bola volta, com frequência para o centromédio (volante) Rodri, que reinicia a jogada. Tudo simples.
No fim de semana, na vitória de virada por 3
a 2 sobre o Newcastle, o City perdia por 2 a 1. Sem mudar o estilo, a
intensidade e a estratégia, continuou com o domínio da bola até fazer mais dois
gols, que poderiam ter ocorrido em qualquer momento do jogo. A equipe não teve
pressa nem atitudes heroicas para vencer. Muitas vezes, um time está bem perto
de virar uma partida e o técnico, sem paciência para esperar, muda a maneira de
jogar, substitui jogadores. A equipe perde a chance de ganhar.
O Real Madrid,
a segunda equipe que mais encanta no mundo, também se destaca pela
simplicidade, pela troca de passes, pelo domínio da bola no meio-campo, até
surgir nas costas dos defensores os espaços para os velozes e hábeis Vinicius
Junior e Rodrygo receberem
os lançamentos. Assim, o
Real goleou o Barcelona por 4 a 1, na decisão da Supercopa da Espanha, jogo
realizado na Arábia Saudita por causa do dinheiro de um país que viola os
direitos humanos.
Dorival
Júnior certamente assistiu ao jogo e deve estar pensando na
possibilidade de usar na seleção o mesmo esquema tático do Real Madrid, com
Rodrygo e Vinicius Junior formando dupla de ataque. No Real, eles têm a
companhia do meio-campista Bellingham, que marca, dá passes precisos e ainda
chega ao ataque para fazer gols. Paquetá poderia ter na seleção o
posicionamento de Bellingham. A diferença principal entre a seleção e o Real
seria o trio do meio-campo do time espanhol, muito superior ao do Brasil.
Vinicius Junior, que no início de sua
trajetória no Real Madrid errava muito nas finalizações e com frequência tomava
decisões erradas, corrigiu as falhas, evoluiu bastante e é hoje um craque, o
único jogador brasileiro eleito pela Fifa na seleção mundial da última
temporada.
Ouço e leio opiniões diferentes sobre Dorival
Júnior. Uns acham que ele é o técnico certo para a seleção, por ser sóbrio,
organizado, por ter bom senso, além de possuir ótimos conhecimentos técnicos e
táticos. Outros reconhecem essas virtudes, mas acham que ele é um técnico muito
previsível, pouco ousado, sem surpreender, e que o Brasil precisaria de um
treinador mais inventivo, corajoso como Fernando
Diniz, que deveria ter tido outra chance.
Precisamos aguardar os fatos, embora existam
fortes argumentos mesmo contra os fatos, pois no futebol e
na vida a verdade de hoje pode não ser a mesma de amanhã. "A vida dá
muitas voltas, a vida nem é da gente." (João Guimarães Rosa)
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