segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Três Poderes unem-se para celebrar a consolidação da democracia

Por Andrea Jubé, Julia Lindner, Marcelo Ribeiro e Isadora Peron / Valor Econômico

Políticos ligados a Bolsonaro não devem estar presentes na cerimônia que relembra tentativa de golpe para evitar imagem de alinhamento a Lula

Completado um ano dos ataques de radicais bolsonaristas às sedes das instituições democráticas na capital federal, com depredação de prédios públicos e destruição de obras de arte e objetos históricos, autoridades dos três Poderes reúnem-se nesta segunda-feira em Brasília para relembrar a data, comemorar a consolidação da democracia face à tentativa de golpe e reafirmar a defesa dos Poderes.

Em contrapartida, parlamentares, governadores e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro devem faltar à cerimônia para evitar a imagem de alinhamento com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, bem como indisposição com as bases em ano eleitoral.

O Senado e o Supremo vão promover solenidades, trazendo parlamentares, governadores, ministros, magistrados e oficiais militares a Brasília, interrompendo as férias de janeiro.

Lula desembarcou em Brasília na quinta-feira, após um recesso de nove dias, e desde então, sua agenda voltou-se para a preparação do ato, e declarações sobre o episódio que abalou a primeira semana de seu terceiro mandato.

Além de Lula, os presidentes do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), do STF, Luís Roberto Barroso, e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, também confirmaram presença na solenidade, batizada de “Democracia Inabalada”, que será realizada pelo Senado, programada para 15 horas no Salão Negro.

O ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Paulo Pimenta, disse ao Valor que a solenidade desta segunda-feira simboliza “um momento de afirmação da democracia e da capacidade de resposta das instituições diante da ameaça de golpe”.

Na sexta-feira, em visita à Praça dos Três Poderes, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, afirmou aos jornalistas que, um ano após os ataques, “o sentimento é de que a democracia foi mais forte”. Ela observou que o 8 de Janeiro é uma data para “lembrar que vale a pena a defesa da democracia”.

Ministros do Supremo indicados ou próximos do ex-presidente devem faltar ao ato

Na ocasião, Janja reclamou do que chamou de situação de abandono do espaço, que é cartão postal de Brasília, e símbolo da democracia, e disse que o governo federal vai atuar para recuperar o local. “Parece que foi um abandono providencial”, criticou.

A maioria dos líderes partidários da Câmara e do Senado ouvidos pelo Valor afirmaram que prestigiarão o ato. Muitos preferiam não interromper as férias para viajar a Brasília, e negam que tenha havido pressão do Palácio do Planalto, de Lira ou de Pacheco para comparecerem à solenidade.

No entanto, a percepção dessas lideranças é de que é importante estar presente no ato desta segunda-feira para marcar posição em defesa da democracia e dos Poderes constitucionais.

Em paralelo, foram convidados generais e demais oficiais militares de alta patente. Embora tenha havido a participação de alguns militares da reserva e da ativa nos atos golpistas, a cúpula militar não apoiou os ataques.

Diante do convite para a solenidade no Senado, circulou entre oficiais convidados o recado de aquele que se ausentar, poderá ser considerado “suspeito”.

Alguns aliados de Lula chegaram a argumentar que relembrar a data seria um equívoco porque poderia reinflamar o ambiente político. Mas o presidente insistiu que é preciso reforçar a mensagem de que as instituições estão fortes e unidas, não aceitarão ameaças à democracia no país, e quem violar a lei será punido.

Em contrapartida, a oposição divulgou um manifesto para questionar o ato, organizado pelo líder da minoria no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), que foi assinado por 30 parlamentares.

No texto, os congressistas criticam o suposto “abuso de poder” do STF e afirmam que “a volta à normalidade democrática não pode mais esperar”. Eles questionam as penas impostas aos envolvidos nos ataques de 8 de Janeiro e a continuidade de inquéritos como o das “fake news”, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

“A prática de atos excepcionais por um Poder com a justificativa de proteger a democracia precisa ser urgentemente estancada”, criticam. “O abuso dos poderes e o uso indevido de interpretações de dispositivos constitucionais pode matar a democracia. A volta à normalidade democrática não pode mais esperar”, diz o texto.

Em sintonia com o grupo de senadores, governadores da oposição não confirmaram presença no ato, como Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina, e Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), também sinalizou que deverá ausentar-se. Mas, há um ano, ele compareceu à reunião de governadores convocada por Lula após o atentado.

Pelo Judiciário, o Valor apurou que ministros do STF indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, ou que se aproximaram dele, devem faltar ao ato: Nunes Marques, André Mendonça, Luiz Fux e Dias Toffoli.

Lula, Pacheco, Lira, Barroso, Moraes e a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT) serão os oradores do evento. A ministra da Cultura, Margareth Menezes, vai cantar o hino nacional na abertura da cerimônia, acompanhada de um grupo musical. Também está prevista a exibição de um vídeo com as imagens mais dramáticas e simbólicas do atentado de 8 de Janeiro.

No encerramento da solenidade, será feita a entrega simbólica de uma tapeçaria do artista plástico e paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994) vandalizada no dia dos ataques, e de um exemplar da Constituição Federal de 1988.

A tapeçaria foi criada em 1973, e ficava exposta na entrada do Salão Nobre do Senado. Os terroristas a arrancaram da parede, rasgaram-na e chegaram a urinar na obra de arte. A restauração da peça demorou mais de seis meses, e foi submetida a especialistas da Universidade de São Paulo (USP). Já o exemplar da Constituição havia sido roubado do museu do STF.

Antes do início da solenidade no Senado, o Supremo vai inaugurar a exposição “Após 8 de Janeiro: reconstrução, memória e democracia”, em alusão ao atentado que vandalizou as sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário. A iniciativa mostra cenas relacionadas à resistência do STF aos ataques, com a retomada das atividades da Casa, e os trabalhos de recuperação do patrimônio da Corte. Também serão expostas peças danificadas, fragmentos e demais vestígios físicos do ataque.

De acordo com as investigações no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos, em tramitação no STF, radicais bolsonaristas foram orientados a atacar as sedes dos Poderes e vandalizar patrimônio público na tentativa de provocar um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), e com a intervenção dos militares, convencê-los a assumirem o poder.

Um ano após os ataques, pelo menos 66 pessoas seguem presas. Entre elas, oito já condenados pelo STF, com penas de até 17 anos, e 33 denunciados por envolvimento direto na depredação dos prédios públicos. (Colaboraram Renan Truffi e Fabio Murakawa)

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