O Globo
Ministro sabe que enfrentará tormenta maior em 2024 que no primeiro ano de mandato
Demorou um ano para que Fernando Haddad
reagisse publicamente a uma campanha persistente do PT de confrontação da
política econômica e fiscal. Quando o fez, o ministro da Fazenda claramente
instou o presidente Lula a ser mais proativo na mediação desse conflito. Por
que logo agora? Porque Haddad sabe que o mar que enfrentará em 2024 será mais
tormentoso que no primeiro ano do mandato.
Sem PEC da Transição, com uma meta fiscal bem mais apertada e a folhinha indicando o mês de março logo ali, o ministro anteviu que o primeiro trimestre seria uma fustigação sem trégua de sua agenda por parte do próprio partido. A resolução do Diretório Nacional do PT que chama a política fiscal de “austericídio” foi a confirmação do que estaria por vir. Os embates com a Casa Civil ao longo de 2023 também foram um prenúncio de que, no ano dois, a pressão por gastos e pela ideia de um Estado indutor de crescimento econômico só cresceria.
O ministro decidiu falar agora porque o
momento é de colheita dos resultados do primeiro ano. Mostra, assim, que não
esperará para o sucesso de sua gestão ser reconhecido a posteriori, como
destacou em relação à sua passagem pelo Ministério da Educação e pela
Prefeitura de São Paulo — na disputa pela reeleição, em 2016, não foi ao
segundo turno, mas algumas das políticas implementadas receberam prêmios
internacionais e foram mantidas pelos sucessores, de oposição.
Resta saber se o presidente será ainda mais
vocal ao arbitrar as disputas em favor de Haddad. Isso porque, a despeito de
declarações fora de lugar, como aquelas em que relativizou ou até pareceu que
implodiria a meta fiscal, na prática o presidente tomou o partido da Fazenda em
todas as contendas do primeiro ano, mesmo sob risco de desgaste político com as
bases, o PT e até o Congresso, no caso de vetos a projetos aprovados pelo
Parlamento.
Portanto é arriscado da parte de Haddad
cobrar publicamente que o fogo amigo do PT precisa parar ou que será preciso
escolher entre as visões de país da Fazenda e da Casa Civil, desde que o
presidente esteja bem “informado”.
É sabido que Lula não gosta de ser cobrado
publicamente, e, se tem algo que diferencia este mandato de seus anteriores, é
a ausência de políticos e assessores com intimidade com ele a ponto de dizer
com todas as letras que está agindo de forma equivocada. Haddad parece se valer
da confiança estabelecida com Lula nos tempos da prisão — que ele faz questão
de rememorar na entrevista, ao falar da necessidade de discutir a sucessão
presidencial na eleição de 2030 — para ocupar esse espaço.
Na verdade, fez isso a portas fechadas ao
longo do ano e assumiu muitos riscos ao sustentar que o caminho para retomar o
crescimento seria o governo se mostrar confiável do ponto de vista da
responsabilidade fiscal, justamente o ativo que o PT tenta dinamitar. Lula foi
na dele, e no primeiro ano deu certo. Não há fórmula capaz de garantir que o
resultado em termos de crescimento do PIB e queda da inflação se manterá em
2024, até porque o cenário externo e outros fatores que não estão na alçada da
Fazenda podem interferir nos indicadores.
Isso só aumentará a pressão sobre Haddad, e a
característica de Lula diante de cenários assim incertos, ainda mais com
pesquisas de popularidade não tão satisfatórias, é sempre deixar correr solta a
divergência, para só na reta final apontar para onde vai.
São muitos os fronts de batalha para além das escaramuças com o PT. A primeira tarefa de Haddad será convencer o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a não devolver a Medida Provisória que sustou a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia. Pacheco parece ter adotado um tom mais conciliador, ao anunciar que só decidirá depois dos atos alusivos ao 8 de Janeiro. Hora de gastar mais saliva.
Pois é.
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