Folha de S. Paulo
Presidente quer aprovação integral de pacote
porque recebeu mandato das urnas
Por alguns meses, discutiu-se qual seria o
plano econômico de Javier Milei para
a Argentina.
No limite, um grande problema de seu programa seriam enormidades tais como
acabar com o Banco Central e a dolarização.
Milei ainda diz que esses dois objetivos são
o ponto final de sua administração. Mas isso que pareciam duas reviravoltas
terminais parecem mais abstrações perdidas na névoa do futuro. A revolução de
Milei é agora.
Não há ainda ou propriamente um plano
econômico, nem mesmo um projeto de dar cabo do déficit do governo, um objetivo
central.
Existe é um plano de virar o país do avesso
de tal modo que essa Argentina refeita quase por decreto terá estabilidade de
preços, ganhos de produtividade e crescimento duradouro.
Não há plano de implementação progressiva, articulado com a sociedade, metas, mudanças institucionais que fundamentem o próximo passo, nada disso. A ideia é explodir esta Argentina de fato decrépita e esperar que, quando os seus pedaços voltarem ao chão, todos se encaixem, de modo novo e funcional.
Milei quer mudar os códigos legais,
desregulamentar a economia inteira,
privatizar tudo, mudar
a lei trabalhista, limitando o direito de greve, limitar o direito de
reunião e manifestação, fazer com que o "acordado" possa se sobrepor
ao legislado pelos códigos civis e comerciais, quer fazer uma reforma
previdenciária, alterar o código penal.
Quer colocar na lei a figura de emergências
econômicas, sociais, fiscais e tributárias, o que, mais ou menos, em cada caso,
permitiriam a Milei governar por decreto (sim, até com impostos).
Páginas de jornal seriam insuficientes para
descrever o tamanho da mudança, exigida por centenas de artigos de um decretaço
e um projeto de lei abrangente ("omnibus").
O decretaço tem de ser aprovado ou rejeitado
na íntegra. Milei quer ainda a aprovação integral, em regime de urgência, da
"Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos"
—até o fim de janeiro.
Seus ministros dizem que o presidente recebeu
um mandato das urnas para mudar, que a ideia de reviravolta estava explícita na
campanha. Portanto, o Congresso vai ter de engolir os pacotões.
Recorde-se que, mesmo com aliados, o governo
tem por ora um quarto dos deputados; que a Justiça começa a barrar o decretaço,
que a maioria dos deputados o considera ilegal, assim como acham que partes da
lei "omnibus" é inconstitucional.
Os dois pacotões de Milei contêm reformas que
foram feitas ao longo de décadas no Brasil, a começar de 1985, com a
redemocratização, como a que deu cabo do financiamento do governo pelo Banco
Central e a criação do Tesouro. Mas na linguiça do pacote estão moídas e
embutidas reformas à moda de Collor, da liberalização comedida de FHC, das
mudanças de Michel Temer e muito mais.
Sim, a Argentina padece de intervenções
econômicas muito erradas, alopradas, clientelistas, corruptas. Não tem moeda
nem mercado de dívida pública. País e governo não têm crédito. O governo não
tem como pagar a dívida externa. Precisa de mudanças radicais e rápidas. Na
versão de Milei, isso quer dizer revolução, com poderes de exceção típicos de
revoluções.
O Chile do genocida, assassino, falsário e
ladrão Pinochet fez tal coisa, mas levou mais tempo, teve tentativa e erro e
tinha o poder de matar muita gente e de desmandar sem limite por tempo então
que parecia também ilimitado.
Haverá inflação, redução brutal de salários,
aposentadorias e benefícios sociais, mexida profunda em interesses, bons e
maus. Diz-se que a Argentina tem tradição grande de protesto social.
Em tese, pois, ficaria revoltada com a mera
lista de dores causada por um plano qualquer de estabilização. O que fará
diante desse plano de revolução?
A ver.
ResponderExcluir