Folha de S. Paulo
País planeja e subsidia um mundo de
mobilidade que estará morto em uma década
A euforia com o avanço dos
carros elétricos no mercado tem levado uns baldinhos de água
fria desde o final do ano passado. Alguns dos maiores fabricantes de veículos
ocidentais têm anunciado que vão desacelerar planos de expansão de fábricas de
elétricos. A Tesla de Elon
Musk adiou fábrica nova no México. A Ford americana reduziu a
produção da versão elétrica de sua picape F-150.
A General Motors também adiou a produção de picapes. A procura de carros elétricos
no mundo ocidental não cresce tanto como se previa. Apesar da velocidade
reduzida, o negócio cresce.
Nos Estados Unidos, as vendas de automóveis elétricos (apenas a bateria) eram 5,1% do mercado no primeiro trimestre de 2022. No trimestre final de 2023, de 8,1% (no total dos elétricos, perto de 18%), segundo o Kelley Blue Book, da consultoria Cox Automotive. A venda de elétricos (bateria) crescia a 52% ao ano no final de 2022; no final de 2023, a 40%. Na China e na Europa, o avanço dos elétricos é maior.
O mundo rico (EUA, em especial) ou o que
cresce muito (China, Índia) definem a adoção e a disseminação de tecnologias
—no caso de automóveis, também definem a demanda de
materiais e combustíveis. Isso nos interessa.
Também no caso da indústria de
veículos ou de mobilidade, ficamos para trás, em vários casos no caminho da
obsolescência. A fatia mundial de mercado dos carros elétricos era de 5% do
total de vendas em 2020, segundo o "Global EV Outlook 2023" da
Agência Internacional de Energia, e de 14% em 2022. Deve ter ficado perto de
18% no ano passado. Mais de 60% das vendas ocorre na China.
O carro
elétrico custa muito caro. Musk culpa a alta dos juros pela
desaceleração da demanda. O presidente da Stellantis, Carlos Tavares, disse
nesta semana que reduzir preços a fim de estimular vendas pode causar um
"banho de sangue" nas montadoras.
"Taxas de juros altas e preços
elevados podem estar fazendo com que o interesse por veículos elétricos diminua
em alguns mercados", lê-se no "2024 Global Automotive Consumer
Study", da consultoria Deloitte, apesar de reduções de preços e incentivos
do governo. Há
preocupações também com autonomia dos carros e oferta de pontos de recarga.
Segundo pesquisa da Deloitte, para 67% dos
consumidores americanos, o próximo carro que comprarão ainda será movido a
combustível fóssil (ante 58% da pesquisa de 2023), para 16% será híbrido e para
6% a bateria. A redução ligeira de interesse é a mesma na Alemanha. Na China,
onde 33% pretendem comprar um carro a gasolina ou diesel, o interesse pelos
elétricos é crescente (33% querem um carro a bateria, 18% híbrido), assim como
na Índia. A BYD chinesa
empatou com a Tesla na participação no mercado mundial.
Pelos ventos da Ásia, vê-se para onde o barco
vai. A venda de carros movidos a fósseis estará banida de boa parte do mundo
ocidental rico em 2035. Além do mais, pode bem ser que novos tipos de carros
não sejam a alternativa de locomoção nas cidades. De qualquer modo,
alternativas tecnológicas para os motores de automóveis evoluem rapidamente,
como a do hidrogênio. A discussão brasileira, para variar, está atrasada, se
não é regressiva.
O governo lança oficialmente nesta
segunda-feira um plano industrial baseado em transição verde. Porém, os planos
sabidos para carros são mais cinco anos de subsídio para que as montadoras
incrementem a eficiência energética de seus produtos. Montadoras que decerto
padecem das ineficiências brasileiras, mas que são protegidas por enormes
impostos de importação, por subsídios federais e estaduais; que não têm escala
para produzir a bom preço e competir no exterior. Estamos enxugando gelo com um
lenço bordado a ouro.
Pois é.
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