Folha de S. Paulo
Eleições nos EUA e outras, o destino de Milei
e disputa municipal podem mudar ventos políticos
Este 2024 deve ser de economia morna no
Brasil e no mundo e de política quente por muita parte.
Donald Trump pode
voltar a ser presidente dos EUA, caso não seja impedido de se candidatar, o que
também seria muito relevante.
Cada vez mais mussoliniano ou, melhor, mais
putiniano, é mais capaz e decidido de manipular o "sistema" e
derrotar o "deep state" que, diz, o impediu de restaurar a grandeza
americana. A eleição vai ferver o ano inteiro, dado o rolo judicial; as
primárias começam em janeiro.
No que diz respeito aos interesses do público brasileiro, a escolha do presidente americano deve ser a mais chamativa. Deve ser uma definição que pode mudar a direção dos ventos e percepções também das elites políticas brasileiras.
É especulação mais do que temerária dizer que
vitórias de demagogos autoritários vão influenciar o eleitorado, sem mais. Mas
costuma haver contágios e inspirações no mundo político.
Durante uns 60 anos, Argentina e
Brasil fizeram experimentos econômicos similares, muita vez semelhantes no
equívoco, e observavam com atenção acertos e muitos desastres no vizinho.
Tivemos ditadores caudilhescos, ditaduras
militares, desenvolvimentismos, crises de dívida e revertérios liberaloides
mais ou menos contemporâneos.
Não por acaso, a semelhança nas peripécias
tornou corrente a frase inspirada na propaganda de bebida, a do "efeito
Orloff": "eu sou você amanhã".
Deixou de ser tanto assim no final dos anos
1990, com a relativa estabilização econômica e política do Brasil. Ponha-se
"relativa" nisso, tudo bem. Mas a comparação, no caso, é com a
Argentina.
A Argentina tem interesse por causa de Javier Milei,
claro, o mais recente e ruidoso rebento da demagogia "antissistema"
que assola o mundo desde meados da década passada. É muito difícil fazer
análise razoável, ponderada e objetiva do que pode ser o seu destino, até
porque Milei não é ponderado ou razoável.
Seu projeto de governo é até agora uma
barafunda improvisada, com tempero autoritário e de implementação incerta.
Porém, Milei inspira comparações com Jair
Bolsonaro; o bolsonarismo e o libertarismo brasileiro se animaram com a vitória
do libertário do cão na Argentina. O destino de seu governo, que vai ficar
evidente neste 2024, vai dar o que pensar à cúpula política e econômica do
Brasil.
Este 2024 é também ano de eleição municipal
no Brasil. A cada rodada de escolha de prefeitos, ouve-se o clichê da suposta
irrelevância do saldo político dessa eleição para a disputa presidencial, dois
anos depois, e coisas assim.
Qualquer observador prestante, no entanto,
vai notar o quanto as vitórias nas cidades dizem da configuração política do
país, de correntes submarinas ou de ares ideológicos, do efeito de mudanças
institucionais.
Note-se o espraiamento do centrão, dos
conservadorismos e dos reacionarismos da eleição municipal de 2020, quase
replicado na eleição do Congresso de
2022, esse que dá o tom da mudança institucional (avanço do poder parlamentar,
da direita) e limites importantes a Lula 3.
Municipais, Trump e Milei devem ter o maior
impacto no clima político brasileiro, parece óbvio. Mas haverá outras eleições
que podem entrar na conversa.
Em outubro, tem algo parecido com uma eleição
para presidente na Venezuela.
Também em outubro, a esquerda pode voltar ao poder no Uruguai.
Apesar da ficção que é a ideia de América
Latina, damos pouquíssima atenção ao México. De
interesse maior é que, em junho, os mexicanos devem eleger uma mulher para
presidente, pela primeira vez.
A governista Claudia Sheinbaum,
ambientalista, ligeiramente de esquerda, é favorita contra a segunda opção, por
ora, Bertha Xóchitl Galvez, da centro-direita, de origem indígena.
Pois é.
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