sábado, 3 de fevereiro de 2024

Adriana Fernandes - Farra dos títulos e o IR

Folha de S. Paulo

Medida ajudará no cumprimento da promessa de Lula para pessoas que ganham até dois salários mínimos

O freio na farra das emissões de títulos de renda fixa —LCI, LCA, CRA, CRI e LIG— com isenção tributária por empresas e bancos deve ajudar a bancar a correção da tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) neste ano.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu uma nova etapa de reajuste da tabela para impedir que pessoas que ganham até dois salários mínimos (R$ 2.824) tenham de pagar o Imposto de Renda.

Para dar esse reajuste, Lula precisa compensar com outras medidas de alta de receita. É isso que está em estudo no governo, segundo a coluna ouviu de fontes a par das discussões.

Nada mais justo que a trava nas regras de emissão desses títulos, anunciada na noite desta quinta-feira (1º) pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), sirva para isso.

A renúncia com a isenção do IR para esses títulos está em torno de R$ 20 bilhões por ano. E a erosão da arrecadação vinha aumentando cada vez mais por causa dessas emissões travestidas como benefício ao agro e aos empreendimentos imobiliários.

Uma bomba que foi desarmada por Fernando Haddad (Fazenda), Roberto Campos Neto (Banco Central) e Simone Tebet (Planejamento), integrantes com voto no CMN, que tiveram coragem de mexer nesse vespeiro do mercado, que atinge grandes empresas, inclusive estatais poderosas.

Não à toa a notícia abalou a gigante indústria de títulos privados, que só com esses cinco papéis gerou um estoque na mão dos investidores de R$ 1,2 trilhão. Havia rumores de que algo seria feito, mas não se esperava para o primeiro CMN do ano. O governo tratou do assunto com muito sigilo porque a simples notícia antecipada da medida poderia gerar uma corrida para novas emissões.

A partir de agora, o cerco a esses excessos vai diminuir as emissões abusivas. É sempre bom lembrar que o governo perde essa dinheirama com a renúncia para dar isenção para pessoas com renda mais alta, que têm dinheiro para investir. São investimentos queridinhos dos clientes dos private banks.

A isenção do IR para esses títulos foi dada lá atrás pelo governo com a finalidade de estimular o financiamento ao produtor rural e aos empreendimentos do setor imobiliário, dois gigantes que movimentam os motores do PIB brasileiro.

Mas como o Brasil é o país do jeitinho, empresas de capital aberto e bancos acharam um caminho para ganhar dinheiro emitindo debêntures com base nesses títulos, cujos investidores gozam de isenção. A isenção beneficia também quem emite o papel. É um incentivo que, ao final das contas, fica compartilhado.

Aluguel de imóveis, por exemplo, virou mote para as empresas de capital aberto captarem recursos mais baratos no mercado, uma vez que a isenção do IR é um grande atrativo para as pessoas que investem nos cinco títulos.

Os investidores, porém, não têm de se preocupar. O governo não está acabando com a isenção do IR nem mexendo no estoque.

O agronegócio e o setor imobiliário também não precisam sair reclamando. Nada muda para eles. Pelo contrário, operações de emissão "puro-sangue" não vão mais concorrer com esse mercado hoje desvirtuado e disfuncional.

Em governos passados, foram muitas as tentativas de acabar com a isenção do IR para esses títulos. Todas frustradas porque trombaram com a muralha das bancadas ruralista e da construção civil no Congresso.

O aperto regulatório do CMN foi engenhoso porque não acaba com a isenção. Certamente o seu fim não passaria no Congresso atual em que os ruralistas estão de cara feia para o governo Lula. Ao mesmo tempo, os dois setores podem sair ganhando com mais captações.

Em vez de enfrentar uma batalha no Congresso e tentar derrubar esse incentivo fiscal, Fazenda e BC acharam modelo inteligente para apartar a norma e diminuir o alcance do que pode ser usado com lastro desses papéis.

Como diria o bordão da novela Renascer, que está sendo transmitida em nova versão: é justo, é muito justo, é justíssimo.

 

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