Folha de S. Paulo
Após duas décadas de crescimento real, salários se estagnaram sob Temer e Bolsonaro
Os dados recentes das Contas Nacionais, divulgados pelo IBGE, mostram um acirramento do conflito
distributivo no Brasil. Entre 2017 e 2021, os lucros (fonte principal de renda
dos mais ricos) cresceram mais do que os salários e benefícios sociais (fonte
de renda principal dos mais pobres e da classe média). Esta tendência reflete
movimentos estruturais da economia brasileira.
A perda do poder de barganha dos trabalhadores explica a estagnação da renda do trabalho. Depois de duas décadas de crescimento real dos salários (1994-2016), os salários estagnaram sob Temer e Bolsonaro: 0,2% de ganho real entre 2017 e 2022. A reforma trabalhista de 2017 reduziu os custos para o empregador, mas não gerou os milhões de empregos formais prometidos. A reforma piorou o mercado de trabalho, com aumento na proporção de empregos precários no setor de serviços de baixa qualificação.
Além disso, a queda da fatia dos salários na
renda também se deve à lógica antiestatal de Temer e Bolsonaro, que implicou
arrocho dos salários do funcionalismo público civil e a não reposição de 73 mil servidores aposentados, segundo dados do
Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI).
A crítica genérica aos
"privilégios" do funcionalismo ignora desigualdades internas ao setor
público. Por exemplo, segundo dados do Tesouro Nacional, entre 2017 e 2022, os
ganhos reais da renda de militares ativos (2%) e inativos (7%) contrastam com
as perdas reais de servidores civis ativos (11%) e inativos (8%).
Ademais, um setor público com menos empregos
e menor remuneração enfraquece as demandas salariais da economia (FMI 1991) e normaliza a anemia sistêmica do mercado de
trabalho, onde o prêmio salarial pela escolaridade vem caindo pela escassez de
oferta de bons empregos, fruto da perda de sofisticação tecnológica da economia
e das nossas exportações.
No lado dos lucros, concentração de poder de
mercado, isenções tributárias, digitalização
e automação se unem ao avanço da "pejotização", pela qual
trabalhadores são contratados como pessoa jurídica, transformando o rendimento
do trabalho em lucro de empresa.
Essa metamorfose quantitativa implica
mudanças qualitativas. Excluído da desidratada rede de proteção do emprego formal,
o trabalhador convertido em "empresário de si mesmo" muda de lado na
luta distributiva e amplia o racha na unidade já precária dos interesses do
trabalho.
Seja por meio de salários, seja por meio de
lucros, as melhores remunerações correm para os mais ricos, impulsionadas pela
desigualdade de acesso às oportunidades, ligada à estrutura e ao patrimônio
familiares, às conexões sociais e à propriedade concentrada do capital
empresarial e o acesso a crédito e benefícios tributários. Vejamos o caso do
agronegócio.
No período 2017-2022, o rendimento da
atividade rural —isento de tributação na sua maior parte— teve ganho real de
140% e beneficiou principalmente os estratos mais ricos. Nota técnica de Sérgio Gobetti (Ibre-FGV) mostrou que,
em estados dominados pelo agronegócio, o crescimento real da renda do 0,1% mais
rico chegou a 117% em Mato Grosso, a 99% em Mato Grosso do Sul e a 78% no
Tocantins —ante 42% na média nacional para o mesmo estrato de renda.
No mesmo período, o agronegócio adicionou
apenas 4% do total de vagas criadas no Brasil e o ganho salarial real de
empregados no agronegócio foi de 0,5%, na média (Cepea-Esalq/USP). Ou seja, a recente bonança das
commodities não beneficiou a base da distribuição de renda.
A tática de dividir para conquistar os
trabalhadores protege os privilégios das elites, pouco interessadas em gerar
empregos de alta qualidade. Reindustrialização e maior justiça tributária
ajudam a reequilibrar esse jogo.
*Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP
PERFEITO!!
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