Folha de S. Paulo
Governo Lula pode ter algum benefício se
investigação policial for decisiva e incontestável
O ano político começou indigesto para Luiz
Inácio Lula da
Silva, como era previsível desde dezembro, quando o governo teve a ideia
temerária de afrontar a maioria do Congresso, baixando medidas provisórias
contra votos reiterados dos parlamentares, não importa se ruins.
Como o Carnaval foi precoce e como a política é nuvem, o ano político deve recomeçar, alterado e para valer, na semana que vem. Se por mais não fosse, temos as novidades fortes nas investigações sobre a trama do golpe e o contra-ataque bolsonarista, que podem causar sururu nas alianças eleitorais e políticas na direita, embora a confusão possa ir além.
A aceleração do processo do golpe facilita ou
dificulta a vida do governo? Por um lado, a exposição de mais podres da turma
golpista pode facilitar defecções na direita, inclusive nas bancadas do agro e
evangélica, embora não vá ter efeito nos ultras e extremistas. Parte do agro
vem sendo acalmada pelo ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, e está mais
interessada em crédito e seguros facilitados pelo governo. Parte dos
evangélicos planeja ter candidato a presidente da Câmara em 2025, para o que
conta com um apoio pelo menos velado da minoritária esquerda.
A ultradireita não votaria com Lula em
hipótese alguma, tanto faz o risco aumentado de Bolsonaro e turma irem para a
cadeia. O que importa aqui é a possibilidade de que a investigação do golpe
acirre os maus bofes parlamentares contra o Supremo, no limite tumultuando o
ambiente político em geral, uma hipótese por ora extrema, mas razoável.
Além do bolsonarismo, há muito parlamentar
irritado ou ressabiado com as expansões do STF, por bons e, no
mais das vezes, maus motivos. Quanto mais evidências houver de digitais de
Bolsonaro na trama do golpe, menor a influência da militância contra a cúpula
do Judiciário.
O problema de base do governo no Congresso
permanece. Os parlamentares querem mais emendas e rejeitar re-aumentos de
impostos (folha de pagamentos das empresas; setor de eventos), querem cargos,
querem mudar a articulação política luliana, querem socorrer empresas.
Lula conversou com Arthur Lira (PP-AL),
presidente da Câmara, e tirou pedregulhos do caminho, mas "a luta
continua". Apesar de um trator legislativo, Lira não pode tudo. Tem
líderes e base parlamentar para agradar. Sua força está na capacidade de fazer
e cumprir acordos, não importa quais e com quem quer que seja, motivo de grande
respeito e elogio dos parlamentares, tanto faz que não se goste deste fato.
Além das demandas, o ano eleitoral é curto
para o governo arrumar mais dinheiro, concluir a reforma dos impostos sobre
consumo, começar a reforma do IR, mexer no gasto com saúde e educação, quem
sabe emendar a meta fiscal ou driblar um plano da Câmara de fazer uma reforma
administrativa, entre várias dificuldades.
A investigação do golpe e o contra-ataque
bolsonarista, como o comício do dia 25, causa dificuldade para as alianças
eleitorais da direita. Começa a haver um pinga-pinga de vazamentos vagos da
Polícia Federal que talvez deixem o palanque de Bolsonaro mais tóxico.
Coalizões em cidades maiores podem azedar, vide o caso de São Paulo.
Mas o efeito disso no eleitorado, entre
insondável e ora mui conservador, pode ser pequeno. Por mais que a economia
possa crescer mais do que o previsto para este ano, por mais que haja mais
crédito e menos juros, não haverá exuberância no aumento do emprego e do
salário médio ou mudança bastante para mudar humores da massa do eleitorado.
No saldo, por ora, parece que apenas uma
investigação decisiva da trama do golpe pode mudar, para melhor, para o
governo, o ambiente da política politiqueira.
Pois é.
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