O Globo
Conspiração contra a democracia uniu coronel
assustado, político que escondia pepita de ouro e chefe de espionagem que
falava demais
O comandante do 1º Batalhão de Operações
Psicológicas do Exército abriu a porta, viu um agente da Polícia Federal e
desmaiou. Parece piada, mas aconteceu na manhã de quinta-feira, em Goiânia.
O tenente-coronel Guilherme Marques de
Almeida foi treinado para desestabilizar o inimigo, manipulando corações e
mentes com técnicas de guerra híbrida. Ao se ver na mira da PF, ficou pálido,
tremeu nas bases e perdeu os sentidos.
O oficial desfalecido foi um dos alvos da
Operação Tempus Veritatis, destinada a investigar a tentativa de golpe. A ação
foi estrelada por outros personagens inusitados, como um político flagrado com
ouro de contrabando e um chefe de espionagem repreendido por falar demais.
Augusto Heleno comandou o Gabinete de Segurança Institucional. Dava ordens ao diretor da Abin e era responsável pelo aparato de inteligência do governo de Jair Bolsonaro.
Em reunião com mais de 30 participantes, o
general contou que estava pronto para infiltrar arapongas nas campanhas dos
candidatos da oposição. Num surto de lucidez, o capitão pediu que ele
interrompesse o sincericídio. “A gente conversa em particular, na nossa sala,
sobre esse assunto”, suplicou.
Valdemar Costa Neto é o dono do PL. Em 2002,
alugou a legenda ao petismo e apoiou a primeira eleição de Lula. Vinte anos
depois, fez negócio com Bolsonaro. Vestiu a camisa amarela e se converteu ao
extremismo de resultados.
Escolado na matéria, o ex-deputado não se
assustou com a chegada da PF, mas foi surpreendido ao saber que iria em cana de
novo. Ao vasculhar sua casa, a PF encontrou uma arma com registro vencido e uma
pepita de ouro desviada de garimpo.
Não há dúvida de que os bolsonaristas
conspiravam contra a democracia. Desde a operação de quinta, o enigma é outro:
entender por que o ex-presidente permitiu que uma reunião para tramar um golpe
fosse gravada em vídeo.
Aliados dizem que seu escudeiro Mauro Cid
tinha o hábito de filmar todas as atividades para alimentar as redes sociais. O
tenente-coronel, que já havia sido flagrado contrabandeando joias e
falsificando cartão de vacina, guardou a prova do crime no computador pessoal.
Uma ajuda inestimável aos policiais e procuradores que atuam no caso.
Em tempo de carnaval, os golpistas que ainda
não foram presos poderiam formar o Bloco dos Trapalhões. Seria engraçado se a
turma não tivesse chegado tão perto de jogar o país num estado de exceção.
O exemplo do Chile
O funeral do ex-presidente Sebastián Piñera
foi marcado por uma civilidade que anda em falta na política sul-americana. Sem
maquiar as divergências, o presidente Gabriel Boric e a antecessora Michelle
Bachelet fizeram discursos generosos sobre o antigo adversário.
Piñera era um político de direita, mas sempre
teve compromisso com a democracia. Em 2019, reprovou insultos de Bolsonaro a
Bachelet e ao pai dela, que foi torturado e morto pela ditadura de Pinochet.
Pois é.
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