sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

César Felício -Bolsonaro busca as ruas porque está fraco

Valor Econômico

Ex-presidente está na defensiva, não na ofensiva

“Ninguém ganha uma briga contra o Supremo”. A frase, de um advogado com enorme trânsito nos três Poderes, ganhou ares de alerta nessa quinta-feira, com o depoimento simultâneo de 23 implicados na investigação do Judiciário sobre a conspiração golpista do ex-presidente Jair Bolsonaro, 90 minutos antes da posse de Flávio Dino como ministro do STF.

Nesse domingo, em São Paulo, Bolsonaro recoloca a oposição nas ruas, o que o entorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre temeu. Multidões protestando na rua sempre são uma péssima notícia para qualquer governante de turno, mas o diferencial que diminui o poder de desestabilização da manifestação deste domingo é que Bolsonaro está na defensiva, e não na ofensiva.

A credencial de fiador da democracia que o Supremo recebeu por sua atuação em 2022 consolidou um deslocamento do eixo de poder em Brasília. A contenção às investidas contra a ordem democrática não foi o único movimento do Supremo nos últimos anos. A partir de 2019, a cúpula do Judiciário também enquadrou a primeira instância, com as sucessivas decisões que foram levando a uma revisão da Lava-Jato. O protagonismo cada vez maior da Justiça se manteve, mas voltou a ser concentrado nas cortes que sempre tiveram interface com o poder político: STF e STJ.

Nunca a cúpula do Judiciário exerceu com tamanha força o poder de dissuasão de que dispõe, e consequentemente nunca os gabinetes do STF e do STJ foram tão buscados para a composição de interesses.

A ressaca do 8 de janeiro deu a Lula uma oportunidade de governar durante 13 meses o país sem a variável das ruas em ação. Todo o noticiário desde então girou em torno da luta do governo para criar espaço fiscal, batalha na qual barganha o controle do Orçamento com a cúpula do Congresso Nacional.

É nesse contexto que se deve entender o alcance da manifestação que Bolsonaro promoverá no domingo. A tensão das ruas, a consolidação da oposição, o eventual impacto na popularidade de Lula não altera, em um primeiro momento, o equilíbrio de forças no Legislativo e muito menos influencia o Judiciário. Mas pode criar sementes para uma solução política que, muito mais adiante, beneficie o ex-presidente.

Bolsonaro não tem forças para bater de frente com o Judiciário e tem demonstrado isso. O ex-presidente chegou a ameaçar não comparecer à oitiva na Polícia Federal dessa quinta, mas, como tem feito desde sempre, não ousou cruzar a linha vermelha da desobediência judicial.

Faz apenas duas semanas que a Polícia Federal bateu à sua porta, em Angra dos Reis (RJ). Bolsonaro sente a pressão do Judiciário desde antes de sua posse. Até onde se sabe, mesmo na condição de comandante supremo das Forças Armadas, Bolsonaro não conseguiu ou não se atreveu a golpear a Justiça. Se em algum tempo o ex-presidente acreditou que para fechar o Supremo bastava um cabo e um soldado, como disse seu filho em 2018, não pagou para ver durante sua Presidência.

Caso tenha estado por trás dos desvarios de 8 de janeiro, o que resta ainda a ser provado, teve um duro ensinamento. Ficou provada a resiliência das instituições brasileiras, em especial a do Judiciário. Difícil crer que Bolsonaro irá, da praça pública, produzir argumentos que embasem uma ordem de prisão preventiva.

O mais perturbador para Bolsonaro é a companhia como depoente nesta quinta do presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto. O dirigente sempre se destacou pelo pragmatismo, não pelas suas convicções ideológicas de direita. Ao contrário de Bolsonaro e de outros investigados, Valdemar não ficou calado ao ser ouvido na Polícia Federal. No momento em que esta coluna é escrita ainda não se sabe o que disse, mas no mínimo pode-se observar que há uma diferença de estratégia entre o ex-presidente e o ex-deputado.

Essa espada sobre a cabeça de Bolsonaro deve limitar o alcance do comício da Avenida Paulista este domingo. Como qualquer pessoa com problemas na Justiça que dispõe de um holofote buscará a vitimização, mas as circunstâncias mudaram em relação às existentes em outras concentrações que promoveu. Ele tem ainda menos margem para uma guerra contra o Judiciário do que tinha em 2021 ou 2022. Nenhuma demonstração de prestígio popular consegue se sobrepor às novidades que podem aparecer nos inquéritos a que o ex-presidente responde.

O que Bolsonaro consegue com relativa facilidade é reforçar o ambiente de polarização e, dessa forma, exercer o monopólio da oposição ao atual presidente da República. A presença de oposicionistas presidenciáveis em seu palanque, como é o caso do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o de Goiás, Ronaldo Caiado, deixará claro o rumo. Uma eventual vitória de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos em novembro tende a reforçar ainda mais essa tendência.

Não é à toa que a defesa de uma anistia ao ex-presidente começa a surgir. Eis uma promessa que pode ser feita por aqueles que pretendem receber o aval de Bolsonaro. Quem a verbalizou nessa quinta-feira foi o governador goiano. “Precisamos acalmar o país e lutar por um clima político de convivência pacífica”, afirmou, segundo o repórter Lucas Ferraz, do Valor. Caiado, aliás, marcou presença na posse de Dino.

 

 

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