O Globo
Ex-presidente seria pego na mentira se
tentasse negar a tentativa de golpe
A defesa de Jair Bolsonaro orientou o capitão
a ficar em silêncio na Polícia Federal. Os advogados apresentaram três recursos
para tentar adiar o interrogatório de ontem. Como não colou, a saída foi manter
o cliente de bico fechado.
Todo investigado tem direito a permanecer
calado. No caso de Bolsonaro, exercer o direito era uma necessidade. Ele seria
pego na mentira se buscasse negar a tentativa de golpe para se perpetuar no
poder.
Na prática, o ex-presidente teria pouco a acrescentar à investigação. A PF já reuniu uma pilha de provas de que ele idealizou e comandou a trama contra a democracia, da qual seria o principal beneficiário.
A polícia encontrou uma minuta de golpe em
suas gavetas. Seu ajudante de ordens relatou em detalhes o planejamento de
medidas de exceção. Em reunião gravada, generais falaram em “virar a mesa” e
admitiram que o questionamento à urna eletrônica era uma farsa.
O resto do enredo já era público. A campanha
de Bolsonaro para desacreditar a Justiça e o sistema eleitoral. A tentativa de
empastelar a diplomação de Lula. O plano para explodir um caminhão-bomba no
aeroporto de Brasília. O ataque aos prédios públicos em 8 de janeiro de 2023.
O capitão sempre elogiou a ditadura, mas
nunca admitiu que tentou ressuscitá-la. Dizia atuar “dentro das quatro linhas
da Constituição”, embora seu objetivo fosse rasgá-la para impor um regime
autocrático.
Ontem o advogado Paulo Cunha Bueno declarou
que “o presidente Bolsonaro nunca foi simpático a qualquer tipo de movimento
golpista”. O doutor foi contratado para defender seu cliente, mas não precisava
ofender a inteligência alheia.
O silêncio do capitão teve uma segunda
finalidade: deslegitimar o inquérito em curso no Supremo. Bolsonaro se diz
perseguido pela PF e pelo ministro Alexandre de Moraes. Ao se recusar a depor,
ele sugere a seus seguidores que a investigação não merece ser levada a sério.
No domingo, o ex-presidente voltará ao
palanque para falar à sua claque. A ideia é mostrar que ainda tem força
política, apesar dos múltiplos rolos com a polícia. Mas o comício não deve
influenciar os ministros que irão julgá-lo.
Ele se diz perseguido principalmente pelo Lula.
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