sábado, 24 de fevereiro de 2024

Eduardo Affonso - A ficha de Lula

O Globo

É possível repudiar a brutalidade da resposta aos ataques de 7 de outubro sem apelar para a relativização do Holocausto

Há quem atravesse a rua para escorregar na casca de banana do outro lado. Lula, não. Ele cruzou um oceano e um continente para contratar uma crise diplomática — e, de quebra, abrir as comportas de um insuspeitado antissemitismo entre nós. A troco do quê, só ele sabe. Não estava num palanque, onde os ânimos se exaltam e as hipérboles fazem a festa. E não parecia embriagado — a não ser de si mesmo.

Lendo o que sua assessoria escreve, Lula pode eventualmente posar de estadista. O problema é quando fala de improviso — e diz o que pensa.

Lula é alegórico e — vai aqui um eufemismo — não tem nenhum compromisso com a verdade. Não vê diferença entre ato juridicamente perfeito e golpe, entre mil e milhão. Manipula números e palavras como se fossem militantes do seu partido. Em sua mitomania, triplica a quantidade de pobres que diz precisar alimentar, se propõe a construir 186 milhões de casas (mais que o dobro de domicílios do país) e ainda acha tempo para acompanhar pela TV os jogos do campeonato chinês.

É o tipo de democrata que não pode ver um ditador que corre para o abraço. A lista de parças é longa: começa com Fidel (e daí a Raúl Castro e Díaz-Canel), passa por Ortega, Nguema, Ahmadinejad, Kadafi, se desdobra de Chávez a Maduro, chega a Putin. A simpatia pelo terrorismo vai das Farc ao Hamas, sem esquecer Cesare Battisti.

Sob sua égide, a esquerda brasileira importou o racismo à moda americana (o do branco é branco, preto é preto, e a mulata não é a tal). Contrabandeia agora um ódio antissemita com selo de garantia que confere ao usuário a sensação de estar do lado do bem, das vítimas, da paz e da justiça.

É possível repudiar Netanyahu e a brutalidade com que conduz sua resposta aos ataques de 7 de outubro sem apelar para a relativização do Holocausto — evento cujos horrores foram tais que levaram a uma tomada de posição, planetária, quanto à necessidade de estabelecer uma norma universal de defesa dos direitos humanos. Foi a partir daquela monstruosidade, única, que se decidiu fazer do genocídio um crime internacional. Equiparar as violações em Gaza ao Holocausto não as torna mais hediondas; rebaixa a maior violência jamais perpetrada contra a Humanidade a barbaridades cometidas no campo de batalha.

A indignação de Lula quanto à dor dos palestinos soa ainda mais hipócrita e oportunista após sua recusa em defender o povo ucraniano quando da invasão russa (“Por que vou me preocupar com a briga dos outros?”) e da sua omissão em relação à crise humanitária na Venezuela (“A gente precisa respeitar a autodeterminação dos povos”). Vidas que não interessam a seu delírio de “líder do Sul Global” (o Terceiro Mundo reloaded) não importam.

Mais de quatro décadas separam o Lula analógico que fundou o PT, em 1980, do Lula analógico de agora, com seu antiamericanismo recauchutado — sai a URSS como farol dos povos, entram China, IrãEtiópiaArábia SauditaÁfrica do Sul. Ele está para 2026 como Getúlio Vargas para as Diretas Já; como Vicente Celestino para João Gilberto; como o telefone de 3 ou 4 dígitos — preto, amarrado à parede — para o celular.

Faltam 953 dias para as próximas eleições. Há tempo de sobra para surgirem opções à esquerda lulista e à direita bolsonarista. Insistir nessas duas visões ultrapassadas é continuar fazendo fila no orelhão em tempos de 5G. Essa ficha ainda não caiu.

 

7 comentários:

  1. Também o colunista, ao escrever estas besteiras, "não parecia embriagado — a não ser de si mesmo."

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  2. O colunista poderia aprender um pouco com as colunas do Glenn Greenwald de ontem e com a do professor Cristovam Buarque, de hoje, neste blog.

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  3. Lula nunca ''relativizou o Holocausto''.

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  4. O colunista critica supostos exageros de Lula, mas inventa suas próprias mentiras e deturpações para fazer isto. Mais um colunista MENTIROSO e totalmente PARCIAL nos seus textos.

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