sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Eliane Cantanhêde - O medo da prisão

O Estado de S. Paulo

Posse no STF sem grades e oficiais depondo são parte da normalidade, Forças precisam se acostumar

É a primeira vez na história que militares de alta patente são investigados pela Justiça comum, mas é exatamente isso que a Constituição previa e prevê. A Justiça Militar é para crimes militares, não para indivíduos militares suspeitos de praticar qualquer outro tipo de crime, e o simples reconhecimento dessa norma constitucional é mais um forte indicador da volta à normalidade, com tudo o que ela tem de bom e também de ruim.

Enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro e uma dezena de militares e outros investigados por tentativa de golpe de Estado prestavam depoimentos à Polícia Federal, simultâneos, mas separados, as cúpulas de Executivo, Legislativo e Judiciário compareciam em peso à posse do ex-ministro da Justiça Flávio Dino no Supremo. Já sem as grades medonhas que isolavam a Corte, como o Congresso, por segurança.

O grande temor nas Forças Armadas era de que Bolsonaro ou um dos generais, o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, ou um dos coronéis saíssem presos dos depoimentos, por desacato ou outro motivo. Falar em prisão de companheiros é ainda quase tabu e há uma quase unanimidade contra a prisão do tenente-coronel da ativa Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

Por que ele não deveria ter sido preso, se era peça-chave em todas as tramoias e a delação premiada dele foi decisiva para as investigações? Respostas de militares: a prisão de Cid foi desnecessária, uma pirotecnia da PF e um excesso do Supremo e do ministro Alexandre de Moraes. O velho corporativismo é forte em todas as áreas, mas na militar ainda mais. São décadas de quartéis, missões em lugares distantes, convivência das famílias. Os Poderes, porém, não parecem levar isso em conta, não é Xandão?

Nas Forças Armadas, a palavra-chave é legalidade e um nome recorrente é o do ex-comandante do Exército Freire Gomes, defendido por ter deixado claro que não envolveria a Força em qualquer aventura golpista, mas ainda alvo de suspeitas fora dos quartéis por ter ouvido projetos de golpe sem denunciar. O que, vamos combinar, não seria fácil para ninguém naquele momento.

Tirando Freire Gomes, a situação não está fácil para os generais Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Theophilo Gaspar, além do almirante Almir Garnier e dos coronéis alvo do STF e da PF. Não estão previstas prisões temporárias ou provisórias, mas não dá para apostar que todos vão se livrar da prisão depois do processo tramitado em julgado. É bom os “CPFs” da reserva e da ativa e o “CNPJ” Forças Armadas irem se preparando. Isso, afinal, é a volta da legalidade, democracia e normalidade.

 

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