quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Fernando Exman* - Articulação do Planalto entra em nova fase

Valor Econômico

Cargo de articulador político do Planalto está longe de ser um emprego confortável

Vem do processo cinematográfico a frase segundo a qual uma foto não representa o todo do filme. Afinal, o cérebro humano é incapaz de processar várias imagens como fotografias independentes, quando elas são transmitidas em alta velocidade. Sequenciados, os quadros, ou “frames”, provocam uma sensação de movimento. Ao fixar-se apenas em um dos fotogramas, o público pode ser levado a um erro de avaliação.

É o que ocorre quando se analisa, individualmente, as fotografias divulgadas nas redes sociais na quinta-feira (22) à noite pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após encontro com líderes partidários e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Lula aparece ladeado por Lira e pelo ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Fernando Haddad, ministro da Fazenda, também ocupa o primeiro plano. Mais distante, aparece o ministro da Casa Civil, Rui Costa.

Mas são as fotos, não o filme. Hoje, Rui Costa é o interlocutor preferencial de Lira. E o sucesso da agenda do governo depende dessa relação, embora a função estivesse fora dos planos do ministro.

Antes mesmo de tomar posse, Costa chamava atenção quando participava de eventos públicos ao adotar uma postura muito mais de gestor do que de articulador político. À época, ainda se especulava se o baiano iria para a Casa Civil ou outra pasta na área de infraestrutura.

Já era dado como certo que ele tentaria implementar na administração federal algumas das iniciativas que desenvolveu quando governou o Estado da Bahia, como parcerias público-privadas (PPPs). Ele demonstrava convicção que a Casa Civil, centro gestor do governo, desenvolveria melhor seu trabalho se não entrasse diretamente na articulação política.

Dificuldades no diálogo entre Lira e Padilha forçaram uma calibragem na rota. Na segunda-feira (26), por exemplo, Costa anunciou que o Executivo ainda estava dialogando para encontrar “alternativas” sobre como recompor os R$ 5,6 bilhões que foram reduzidos das emendas de comissão quando Lula vetou trechos da Lei Orçamentária Anual (LOA). O corte era um dos focos de insatisfação da Câmara com os articuladores políticos do governo.

Alegava-se, no Congresso, que o titular da SRI não estaria cumprindo acordos. De fato, mudanças no primeiro escalão do governo levaram mais tempo do que integrantes do Centrão esperavam. O mesmo ocorreu com nomeações para a cúpula da Caixa Econômica Federal e acontece, ainda, com a ocupação de postos na Fundação Nacional da Saúde (Funasa). No entanto, o ritmo de atendimento dessas demandas sempre depende sobretudo do sinal verde do próprio chefe do Executivo, e não apenas de um ou outro ministro. Pode-se concluir que o desgaste de Padilha ocorria à medida que ele cumpria missões para as quais fora designado pelo presidente.

Em seu livro “O pior emprego do mundo”, o jornalista Thomas Traumann intitula o cargo de ministro da Fazenda do Brasil como o mais encrencado ofício do planeta. Isso porque o chefe da equipe econômica é alvo de muita pressão e se ocupa de dezenas de indicadores, enquanto seu superior, o presidente da República, está preocupado apenas com o índice de sua própria popularidade. Diz o livro que “o nível de intrigas, conspirações e invejas que cerca o ministro da Fazenda é insuperável”.

É bem possível, mas o cargo de articulador político do Planalto está longe de ser o emprego mais confortável de Brasília.

Um antecessor de Padilha era chamado de “garçom” no Congresso, pois só anotava os pedidos e não contribuía para aplacar a crise que atingia o governo Dilma Rousseff (PT). Outro ex-ministro da área relata que na sua época havia filas de deputados em seu gabinete para tentar acelerar a liberação de emendas ao Orçamento. A crescente impositividade das emendas mudou completamente essa dinâmica, pondera.

Diante dessas dificuldades, muitos apostavam no fim do ano passado que haveria uma troca na Secretaria de Relações Institucionais. Esse cargo é visto como um fusível do Palácio do Planalto que é feito para queimar. Ou seja, o titular da pasta é alvo das críticas que aliados gostariam de fazer diretamente ao presidente da República. Está no contracheque.

Por outro lado, sua substituição sem um fato gerador muito robusto sempre pode ser vista como rendição e fragilidade política. Sobretudo se não ocorre em meio a uma ampla reforma ministerial.

Nas mesmas fotografias divulgadas por Lula na semana passada, há outra mensagem subliminar. Ao lado do presidente, Padilha também tem seu prestígio mantido. Tanto que ele permanece participando de outras articulações estratégicas.

Naquela mesma quinta-feira, por exemplo, horas antes do coquetel oferecido por Lula a aliados, o governo concordou em cumprir o calendário de pagamento de emendas que estava previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 e também havia sido vetado. O acordo foi fechado por Padilha.

Com mais protagonismo nas tratativas sobre o Orçamento, pano de fundo dos embates do governo com o Congresso, o ministro da Casa Civil passa a também correr o risco de tornar-se alvo de críticas. O final desse filme ainda é desconhecido. O que se pode dizer, porém, é que a fotografia exibe um novo momento na articulação política do Planalto.

*Fernando Exman é chefe da redação, em Brasília. 


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