O Globo
As redes não aumentam a polarização da forma imaginada, não se distanciando do que ocorre no mundo off-line
A crise global de 2008-09 e seus
desdobramentos produziram inflexões no sentimento das sociedades mundo afora. A
insatisfação com governantes, instituições e elites só fez crescer, com a visão
de que as classes populares foram deixadas para trás. No Brasil, a inflexão
veio nos protestos de 2013. O país que muito prometeu decepcionava os filhos da
nova classe média recém surgida.
O segundo capítulo dessa história veio, em um
contexto de insegurança econômica, com a ascensão de políticos populistas no
mundo ocidental, ocupando o vácuo deixado por líderes que não conseguiram
compreender os novos anseios da sociedade.
Barry Eichengreen aponta algumas
características próprias dos líderes populistas, como se colocarem como
“salvadores”, propondo soluções imediatistas e contraproducentes, com pouco
apego a recomendações técnicas.
São “anti” muitas coisas e atacam políticos tradicionais, que são vistos como corruptos ou dominados por grupos que conspiram contra o bem comum. Os populistas de direita atacam as minorias e os de esquerda, segmentos da elite — outra parcela é premiada com favores oficiais.
O uso de novas mídias faz parte do pacote
para driblar o establishment. Nas décadas de 1920-30, foi o rádio. Antes disso,
na eleição de 1896 nos EUA, foi o telégrafo. O instrumento da vez é a
tecnologia digital.
Populistas instigam a polarização política, o
que levou ao debate sobre o papel das tecnologias digitais e das mídias sociais
em exacerbar a polarização e enfraquecer a democracia, pelas dificuldades de se
construir consensos e de buscar o eleitor de centro.
Essa preocupação revela uma inflexão em
relação à visão anterior de que um modo desimpedido de comunicação
transnacional iria romper governos autoritários e promover a liberdade no
mundo.
Os gatilhos para a inflexão foram a eleição
presidencial nos Estados Unidos e o referendo do Brexit no Reino Unido, em
2016, cuja culpa pelos resultados inesperados foi colocada nos robôs (bots), na
interferência estrangeira, na desinformação on-line e fenômenos relacionados.
No entanto, especialistas têm apontado
nuances que levam à conclusão de que a polarização seria menor do que se
imagina. O livro Social Media and Democracy, de Nathaniel Persily Joshua
Tucker, aponta estudos que desafiam a sabedoria convencional.
Mesmo que a maioria das interações nas redes
sociais ocorra entre pessoas com visões políticas parecidas, em parte devido
aos algoritmos que filtram temas de interesse e criam bolhas, as trocas
transversais seriam mais frequentes do que se acredita.
A exposição a notícias diversas seria até
maior do que em outros tipos de mídia — uma explicação possível é que as redes
sociais acabam compartilhando informações de pessoas próximas, como colegas de
trabalho, que não necessariamente têm as mesmas visões ideológicas. As redes
não aumentam a polarização da forma imaginada, não se distanciando do que
ocorre no mundo off-line.
Outro ponto é que a percepção de polarização
nas redes é influenciada por uma minoria de indivíduos partidários altamente
ativos e extremistas, não refletindo a realidade.
Soma-se a isso os próprios benefícios da
maior circulação de informações à democracia. A propósito, no contexto atual de
guerras no mundo, a tecnologia permite aos indivíduos acompanhar conflitos e
denunciar abusos, possivelmente ajudando a conter a mão forte do agressor, algo
inimaginável em guerras do passado.
Há muito descontentamento na sociedade, e as
tecnologias digitais favorecem sua manifestação em espaço coletivo. Isso em
meio a muitos elementos que causam insegurança aos indivíduos quanto à justiça
social e às perspectivas de qualidade de vida, em vários aspectos, como a
economia, o meio ambiente e a segurança pública.
A aparente elevada polarização não deveria
ser justificativa para políticos e instituições democráticas menosprezarem as
manifestações da sociedade.
Os protestos, nas ruas e nas redes sociais,
estão aí e fazem parte da democracia, o que demanda capacidade de renovação da
política. A ascensão da tecnologia digital abala instituições estabelecidas nas
democracias do século XX — partidos, mídia convencional, corporações e a
própria governança global.
O presidente Lula pode ter errado em
declarações recentes, mas acertou ao afirmar que o PT precisa se modernizar e
se renovar.
Errou onde e quando?
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