Folha de S. Paulo
Livro mostra que clima é personagem central
da história humana
"The Earth Transformed", de Peter Frankopan (Oxford), é uma obra importante. Ela coloca o clima como personagem central da história humana. Uma das figuras que mais aparecem ao longo das mais de 700 páginas do livro é Enos, a sigla para El Niño-Oscilação do Sul, um fenômeno relativamente regular, mas que pode ter grandes repercussões sobre a temperatura e a hidrologia do globo.
Humanos gostamos de nos imaginar como algo
distinto da natureza, mas esse é apenas um viés —e bem tolo. Somos e sempre
seremos parte dela. O clima sempre nos afetou. É até possível que o Homo
sapiens tenha desbancado outros hominínios como o H. neanderthalensis devido a
mudanças climáticas. Uma hipótese é que sobrevivemos –e eles não— não porque
éramos mais adaptados para enfrentar os tempos frios que atingiram a Europa 35
mil anos atrás, mas mais simplesmente porque éramos em maior número.
Variações climáticas e ecológicas às vezes
influíram em nossos destinos como agentes principais e sempre ao menos como
coadjuvantes. O aquecimento registrado entre 200 a.C. e 100 d.C., por exemplo,
ajudou Roma a
obter melhores colheitas e tornar-se um império. O resfriamento entre 1100 e
1800 explica a maior prevalência de ataques a judeus devido a "preços
altos" de comida. E há mais. Gêngis Khan teve o sucesso militar que teve porque a
maior umidade nas estepes favoreceu a formação de seu exército.
O trabalho de Frankopan foi possível por
causa de uma série de desenvolvimentos tecnológicos recentes que nos permitem
estabelecer com precisão os padrões climáticos em diferentes tempos e lugares.
Antes, esse tipo de variação só entrava para a história se algum autor
percebesse a mudança enquanto ela ocorria e resolvesse registrá-la.
A moral da história é que dinâmicas
ecológicas já extinguiram vários grupos e civilizações. Só sobraram os que
souberam adaptar-se. Teremos muito trabalho nas próximas décadas.
Verdade.
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