Folha de S. Paulo
Por incrível placar de 62 a 2, Senado vota
por limitar as saídas temporárias de presos
Um dos problemas da democracia é que ela entrega aos eleitores o que eles querem. E eleitores, como todos os humanos, são poços de vieses cognitivos. Quando lidamos com erros de distribuição aleatória, até que a coisa pode funcionar. Se, numa questão complexa, um bom pedaço dos eleitores ou dos legisladores pende para um lado, e outro, de dimensões comparáveis, para o outro, o desenho da política a ser adotada acabará recaindo sobre os poucos que não têm uma preferência muito clara (os moderados), que tendem a ser mais sensíveis à argumentação racional. Quando, porém, estamos diante de um viés sistemático, isto é, em que a grande maioria exibe a mesma propensão, é quase certo que o erro será imortalizado em política.
É bem este o caso da legislação
que restringe fortemente a concessão de saídas temporárias a presos.
Ela acaba de passar no Senado,
pelo incrível
placar de 62 votos a 2. Como houve alteração no texto, o projeto
volta para a Câmara. Em termos objetivos, é um erro. As saídas
temporárias funcionam relativamente bem (a taxa de
evasão é da ordem de 5%), são uma ferramenta útil para a
ressocialização dos presos e tornam as penitenciárias mais manejáveis. Quanto
mais lotadas são as cadeias, piores se tornam as condições de encarceramento. E
quanto piores as condições de encarceramento, mais fácil é para organizações
criminosas recrutar mão de obra. O Estado precisa deixar de ser o RH do PCC.
O populismo em geral e o populismo
penal em particular sempre funcionaram mais ou menos assim. Se
a política baseada em evidências vai contra a percepção popular, no caso a
ideia de que criminosos devem apodrecer na cadeia, pior para as evidências. O
que me parece novidade é que, nestes tempos de cancelamentos e pressão virtual
direta, nem as vozes de esquerda que costumavam empunhar a bandeira do
humanismo penal tenham tido a coragem de fazê-lo: 62 a 2 é de doer.
Verdade.
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