Folha de S. Paulo
Arrecadação melhora pelo segundo mês;
discussão ruim sobre meta fiscal talvez seja adiada
A arrecadação do governo federal foi muito
bem, como
adiantado por reportagens desta Folha.
Cresceu 6,7%
além da inflação, na comparação com janeiro do ano passado.
Não temos os dados do crescimento da economia,
do PIB, do
final de 2023, e nem mesmo a estimativa mensal do Banco Central para
janeiro. Mas certamente o PIB não está crescendo a 6% ao ano ou mesmo à metade
desse ritmo.
Em resumo, óbvio, a receita cresceu mais do
que o PIB em janeiro, assim como em dezembro. É uma recuperação recentíssima.
No ano passado, a receita diminuiu em termos absolutos, ainda mais em relação
ao PIB, o que contribuiu para um déficit ainda maior.
Decerto tem dinheiro novo entrando de modo mais regular, como o dos impostos sobre ricos, entre outros resultados das providências da Fazenda a fim de preencher os cofres. Mais importante, por enquanto, é o possível efeito político da (possível) melhora da arrecadação.
No final de março, o ministério de Fernando
Haddad apresenta sua previsão de receitas para o ano e, talvez, planos
de suspender ("contingenciar") despesas, caso tal medida seja
necessária para que se chegue à meta de déficit primário zero (receitas e
despesas equilibradas, excluídos gastos com juros).
Como se sabe pelo menos desde metade do ano
passado, a maior parte do ministério de Luiz Inácio Lula da Silva
e o PT, para
citar apenas a oposição doméstica, não queria a meta zero, ainda menos se fosse
preciso conter gastos previstos no Orçamento para chegar ao objetivo.
Com bons resultados na arrecadação, a pressão
política sobre Haddad pode diminuir um tanto. Aumentam as chances de sobrevida
da meta de déficit zero. Seria possível haver assim algum alívio adicional nas
taxas básicas de juros, na Selic e no mercado, "tudo mais constante"
(sem repiques na inflação, sem tumulto na finança dos países centrais etc.).
Com o fiasco da arrecadação de 2023, o
problema político de Haddad ficara mais quente. Pouco se ouve falar do assunto
por agora, pois a política parlamentar ainda não voltou das longas férias
emendadas com o Carnaval e o ruído político de outros assuntos está grande. Mas
esse é um dos três temas macroeconômicos do ano (os outros são o destino dos
juros no mundo rico e o atual ritmo de cruzeiro do PIB brasileiro).
Haddad ganha tempo não apenas para empurrar
para adiante a provável rediscussão da meta de déficit zero. Talvez consiga
também acertar um armistício com o Congresso, que
quer reaver R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares, valor talhado por um veto
de Lula.
A pressão pelo gasto será especialmente
grande até a metade do ano, quando ministros, parlamentares e políticos em
geral quererão dinheiro a tempo de fazer diferença na eleição municipal. Quanto
mais se puder adiar a conversa de contenção de despesa, melhor para as contas
públicas.
No mais, apesar da perspectiva melhor, a
receita de 2024 é incerta. Viu-se o resultado de só um mês. Janeiro, abril,
julho e outubro costumam ser meses de arrecadação mais gorda. De resto, há
receitas inconstantes, importantes para meta de déficit, como a de petróleo.
É preciso saber qual o efeito da contenção de
compensações tributárias, dos novos métodos do Carf, da regularidade da
arrecadação com novos impostos (sobre fundos e investimentos de ricos).
De qualquer modo, já houve pelo menos um
bimestre de recuperação do fiasco de 2023; apareceu a oportunidade de se adiar
a discussão contraproducente da revisão da meta fiscal.
Parecem miudezas de curto prazo e não é assim
que se tira o futuro do país do atoleiro. Mas pode ser uma oportunidade de
evitar retrocessos e aumentar as chances de um sucesso econômico discreto do
governo. Não é pouco. Abutres estão à espreita.
Pois é.
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