Folha de S. Paulo
Não dá para elogiar generais por não terem
dado um golpe de Estado
Vocês não vão me cumprimentar? Hoje eu não roubei nenhum banco nem estuprei ninguém. Ridículo, certo? Deixar de cometer crimes não é virtude, mas obrigação. Não me convencem, portanto, as loas à cúpula das Forças Armadas, que teria se recusado a participar do golpe tramado por Bolsonaro e seus asseclas. Pelo contrário, o que vai emergindo das investigações é que mesmo oficiais-generais que não tiveram participação direta na conspiração foram de uma leniência ímpar para com os que tiveram. Não é difícil argumentar que, ao deixar de agir contra os golpistas, cometeram crimes omissivos.
Como ainda estamos numa democracia, não é
absurdo afirmar que as instituições funcionaram. Mas foi por muito pouco. Se
mais dois ou três generais com comando de tropas tivessem embarcado na
aventura, poderíamos estar agora sob lei marcial. O Parlamento, que deveria
constituir a linha de frente da resistência ao autoritarismo, também foi
interessadamente omisso. Enquanto usufruíam das delícias das emendas
parlamentares, deputados e senadores deixaram que Bolsonaro pintasse e
bordasse. Devemos ao STF e à sociedade civil, que soube se mobilizar, ainda
que na undécima hora, a preservação da democracia.
Um país não pode ficar refém de seus
generais. É preciso profissionalizar e modernizar as Forças
Armadas, para que se afastem definitivamente da política. Penso em mudanças
nos currículos das academias, num redimensionamento do próprio tamanho das
Forças e na reformulação do artigo 142 da Constituição, para deixar claro que
militares não escolhem a qual Poder devem obedecer.
Não sou, porém, muito otimista. Até por causa
das investigações, os generais deverão ficar retraídos pelos próximos anos. Não
criarão problemas maiores para o governo Lula. Com isso,
Lula não deverá gastar energias e capital político nas reformas necessárias. É
sempre mais fácil apaziguar do que aprimorar as instituições.
Verdade.
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