Correio Braziliense
Uma política antiamericana no Brasil não tem
a menor chance de dar certo, o que não significa apoio incondicional nem
alinhamento automático aos EUA
Toda política externa bem-sucedida precisa de sustentação interna, ou seja, da construção de um amplo consenso nacional, para que seja realmente uma política de Estado e não meramente de governo, suas nuances não podem ser a essência da diplomacia. O que faz do Itamaraty uma das mais prestigiadas e reconhecidas chancelarias do mundo é sua capacidade de sustentar nossa política externa independente e pragmática desde a década de 1970, ou seja, em plena ditadura militar, adaptando-se às circunstâncias políticas sem perder seus objetivos estratégicos. Os presidentes passam, o Itamaraty fica. Em torno dela, construiu-se um consenso nacional.
O que aconteceu no governo Bolsonaro, com o
chanceler Ernesto Araújo, foi um desvio de conduta na política externa que
levou o Brasil a ser tratado como pária internacional. A simples eleição do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pela mudança de rumo político, fez com
que essa situação se revertesse rapidamente, o que possibilitou uma intensa
agenda internacional e restabeleceu o nosso lugar no mundo.
Entretanto, diante de fatos novos na
conjuntura mundial, com a guerra da Ucrânia e a guerra de Gaza, está cada mais
vez claro que há uma dualidade que pode se tornar desastrosa: existe uma
diplomacia de Estado, cuja execução está a cargo do nosso corpo diplomático,
que o chanceler Mauro Vieira lidera; e uma diplomacia de governo,
idiossincrática, na qual o ex-chanceler e assessor especial da Presidência
Celso Amorim pontifica como seu ideólogo.
Os grandes artífices da atual política
externa foram San Tiago Dantas, Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro, em
circunstâncias completamente diferentes, mas que resultaram numa cultura
diplomática consolidada no Itamaraty e admirada internacionalmente. Nunca
tiraram os pés do Ocidente.
San Tiago Dantas foi nomeado embaixador do
Brasil na ONU em 22 de agosto de 1961, mas não assumiu o cargo porque o
presidente Jânio Quadros renunciou. Com João Goulart na Presidência, durante o
regime parlamentarista, foi o grande artífice da nossa política externa
independente: liderou os países contrários à suspensão de Cuba da Organização
dos Estados Americanos (OEA), defendida pelos Estados Unidos; restabeleceu
relações diplomáticas com a União Soviética, rompidas em 1947 pelo governo
Dutra; e chefiou a delegação brasileira enviada a Genebra para participar da
Conferência de Desarmamento, onde o Brasil se definiu como “potência
não-alinhada”.
Azeredo foi chanceler do governo Geisel,
quando se iniciou o tortuoso processo de abertura política do regime militar.
Sua política externa foi o “pragmatismo responsável e ecumênico”. Como isso se
traduziu na prática? Pela autonomia e universalismo, que levou o Brasil a
restabelecer as relações com a China comunista e se aproximar do mundo árabe,
em meio a contradições políticas, como o acirramento do conflito com a
Argentina, por causa de Itaipu, e com os Estados Unidos, em decorrência da
questão dos direitos humanos e do acordo nuclear com a Alemanha. Na sua gestão,
o Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer a independência de Angola.
Iberismo e americanismo
Ramiro Saraiva Guerreiro foi ministro das
Relações Exteriores do governo do general João Figueiredo, entre 1979 e 1985.
Negociou a construção da hidrelétrica de Itaipu com o Paraguai, que enfrentava
a oposição argentina. Enfrentou críticas em relação ao posicionamento do
Itamaraty na África e no Oriente Médio, sem falar quanto ao reconhecimento da
OLP como “único e legítimo representante do povo palestino” na sessão da
Assembleia Geral da ONU, na qual o chanceler brasileiro criticou a postura de
Israel nas negociações de paz com os países árabes.
A chave da política externa brasileira é o
não alinhamento automático, a identificação e a defesa dos interesses concretos
do Brasil. Mesmo no contexto da guerra fria e dos alinhamentos automáticos, que
subordinavam as relações Norte/Sul ao conflito Leste/Oeste. Desde então, é uma
tradição diplomática reconhecida internacionalmente e respeitada. O Brasil
ocupa uma posição geopolítica privilegiada, por suas dimensões continentais e
como nona economia do mundo. Nossas relações Norte/Sul estão ancoradas no Ocidente,
apesar de o nosso iberismo ser uma marca registrada da política brasileira:
liberal, republicana, conservadora e positivista.
Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de
Holanda associa o iberismo ao personalismo, aos obstáculos à modernização, à
racionalização e à impessoalidade das instituições. O iberismo valoriza o
Estado e a hierarquia social rígida. Entretanto, somos um país do Ocidente, sob
forte influência do americanismo, culturalmente hegemônico no nosso processo de
urbanização. Para a maioria da sociedade brasileira, o estilo de vida
norte-americano, muito mais do que o europeu, é o espelho a ser seguido.
Uma política antiamericana no Brasil não tem a menor chance de dar certo, o que não significa apoio incondicional nem alinhamento automático na política externa dos EUA. Nosso campo é o das democracias do Ocidente, e não o das autocracias do Oriente. Lula ainda é um líder do Ocidente em desenvolvimento, mas pode pôr tudo a perder se aderir ao velho terceiro-mundismo, inclusive perder internamente.
Desculpem, havia 51min que eu havia postado quando trouxe para aqui e acabei não retirando, como fis nos outros.
ResponderExcluirNão entendi o comentário de Edson Luiz.
ResponderExcluir■Desculpe, Amâncio.
Excluir=》Eu retirei o comentário e este pedaço aí mais acima ficou.