Folha de S. Paulo
Chanceleres do G20, usem vosso poder para
salvar civis da vala comum
No momento em que o G20 se reúne
no Brasil nesta semana, o número relatado de mortes nas hostilidades na Faixa de Gaza está
se aproximando da marca dos 30 mil. Espero que tal fato dê motivos para que
os chanceleres
reunidos no Rio de Janeiro reflitam sobre o que seus países fizeram ou
não fizeram para parar essa situação.
Dizer que a guerra
em Gaza é cruel e constitui um exemplo de fracasso humanitário
absoluto não é novidade. Não há necessidade de reafirmar o óbvio. Em vez disso,
permitam-me que, em nome dos meus colegas humanitários, faça um alerta não só
para o dia de hoje mas também para o que receio que aconteçerá amanhã.
O que tem ocorrido em Gaza nos últimos 137 dias é incomparável na sua intensidade, brutalidade e alcance. Dezenas de milhares de pessoas mortas, feridas ou enterradas sob os escombros. Bairros inteiros arrasados. Centenas de milhares de pessoas deslocadas, vivendo nas condições mais precárias, que foram agravadas com a chegada do inverno. Meio milhão de pessoas à beira da fome e sem acesso às necessidades mais elementares: alimentos, água, cuidados de saúde, latrinas. Uma população inteira está sendo destituída da sua humanidade.
As atrocidades que assolam o povo de Gaza —e
a tragédia
humanitária que estão suportando— estão à vista do mundo, documentadas
por corajosos jornalistas palestinos, muitos dos quais foram mortos enquanto o
faziam.
Ninguém pode fingir que não sabe o que está
acontecendo.
Ninguém pode fingir também que não sabe que
as agências humanitárias estão fazendo o seu melhor: Cerca de 160 dos nossos
colegas foram mortos, mas as nossas equipes continuam a distribuir alimentos,
material médico e água potável. Estamos fazendo tudo o que podemos, apesar dos
riscos de segurança, do colapso da lei e da ordem, das restrições de acesso e
das tragédias pessoais. Apesar do corte de financiamento da maior organização
da ONU em
Gaza. E apesar das tentativas deliberadas de nos desacreditar.
A comunidade humanitária que represento acaba
de publicar um plano que descreve o que precisamos para aumentar o fluxo e a
distribuição de ajuda em Gaza. Nenhum dos pontos do plano é irracional:
garantias de segurança; melhoria do sistema de notificação humanitária para
reduzir os riscos; equipamento de telecomunicações; remoção de munições não
detonadas; utilização de todos os pontos de entrada possíveis.
Mas embora eu tenha dito muitas vezes que a
esperança é a moeda do profissional de ajuda humanitária, tenho pouca esperança
de que as autoridades nos forneçam o que precisamos para atuar. Quero muito que
me provem que estou errado.
Sabemos, sem sombra de dúvida, que as
agências humanitárias serão responsabilizadas —já estamos sendo
responsabilizados— pela falta de ajuda em Gaza, apesar da coragem, do empenho e
do sacrifício de todas as nossas equipes no terreno.
Mas não nos enganemos: as privações impostas
à população de Gaza têm sido tão severas que nenhuma quantidade de ajuda
humanitária é suficiente. Os obstáculos que estamos enfrentando a cada passo
são tão grandes que só podemos fornecer o mínimo necessário.
Os ataques
de 7 de outubro contra Israel são abomináveis —condenei-os
repetidamente e continuarei a fazê-lo. Mas não podem justificar o que está
acontecendo com todas as crianças,
mulheres e homens em Gaza. Por isso, a minha mensagem aos chanceleres do G20
nesta semana é clara: temos implorado a Israel, enquanto potência ocupante em
Gaza, que facilite a entrega de ajuda —com pouco ou nenhum sucesso. Temos
apelado à libertação imediata e incondicional de todos os reféns,
com pouco ou nenhum resultado.
Temos instado as partes a cumprirem as suas
obrigações de acordo com o direito internacional humanitário e de direitos
humanos, com pouco ou nenhum resultado.
Temos exortado os países que deixaram de
financiar a Agência da ONU de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA) a
reverterem a sua decisão —com pouco ou nenhum resultado.
Hoje, imploramos a vocês, membros do G20, que
usem a liderança e influência política para ajudar a pôr fim a esta guerra e
salvar a população de Gaza. Vocês têm o poder de fazer a diferença. Usem-no.
O silêncio e a falta de ação de vocês só
contribuirão para que mais mulheres e crianças sejam jogadas nas valas comuns
de Gaza.
As agências humanitárias estão fazendo tudo o
que podem. E vocês, o que estão fazendo?
*Subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários e coordenador da Ajuda de Emergência
PERFEITO!
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