Correio Braziliense
Lula e Netanyahu escalaram a crise
diplomática entre Brasil e Israel. Na esquerda brasileira, isso provocou uma
onda antissionista, seu disco é despertar o nosso velho antissemitismo
No final do século 19, os judeus eram pobres
e sofriam constantes perseguições no Leste europeu, mas tinham uma vida
bastante integrada à sociedade na Europa Ocidental, de cuja elite econômica e
intelectual faziam parte. Muitos já haviam se tornado cristão novos, os
“anusin”, convertidos à força ao cristianismo, como foram os “moçarabes” ao
islamismo, na Península Ibérica, para fugir às perseguições. A origem da
alheira, embutido português em formato de ferradura e cilíndrico, parecido com
a linguiça de porco, foi a necessidade de os judeus dissimularem os seus
hábitos alimentares no período da Inquisição.
Judeus que se instalaram no interior de Portugal depois de terem sido expulsos da Espanha fingiam consumir carne de porco (animal proibido na religião judaica) e, por isso, criariam um tipo de chouriço com vitela, coelho, peru, pato e massa de pão, que penduravam em janelas e quintais. Os cristãos gostaram da alheira e passaram a incluir a carne de porco.
A mais famosa é a de Mirandela, que leva
cebola, frango, cabeça de porco, músculo bovino, paio, linguiça de pernil
misturados com massa de pão italiano, com pimenta do reino, sal e canela. Pode
ser grelhada ou assada, acompanhada de legumes, batata frita e ovos. Nos bares,
é servida como aperitivo. Bacalhau desfiado com recheio de alheira e espinafre
é prato popular.
Mas as alheiras não impediram que, na Páscoa
de 1506, uma revolta do povo liderada por monges beneditinos levasse à morte 4
mil cristãos novos, no chamado Massacre de Lisboa. Acusados de provocar a seca
e a peste, a matança começou numa missa no Convento de São Domingos. Muito
menos a nova identidade impediu o pogrom: para protegê-los, a Coroa portuguesa
havia autorizado que certos sobrenomes utilizados pela nobreza fossem também
adotados por cristãos-novos, como Noronha, Meneses, Albuquerque, Almeira, Cunha,
Pacheco, Vasconcelos, Melo, Silveira e Lima.
Marranos originários do Norte da África
optaram por sobrenomes simbólicos na tradição portuguesa como Leão, Carneiro,
Lobo, Raposo, Coelho, Pinheiro, Carvalho, Pereira e Oliveira. Outros preferiram
os acidentes geográficos, como Serra, Monte, Rios e Valle, e cidades
portuguesas: Miranda, Chaves, Bragança, Oliveira, Santarém e Castelo Branco. Ou
mesmo aparência física: Moreno, Negro, Branco. Nos registros da Inquisição no
Brasil, durante o período colonial, os sobrenomes mais citados atribuídos a
judeus no país eram Rodrigues, Nunes, Henriques, Mendes, Correia, Lopes, Costa,
Cardoso, Silva, Fonseca, Paredes, Álvares, Miranda, Fernandes, Azeredo, Valle,
Barros, Ximenes e Furtado.
São sobrenomes que integram caldeirão
étnico-cultural brasileiro, adotados por descendentes de índios e negros
assimilados, e associado aos de imigrantes italianos, espanhóis, árabes e
japoneses, entre outros, que conseguiram se traduzir e preservar plenamente sua
identidade cultural, ao se integrar à sociedade brasileira. Entre os judeus,
porém, há uma peculiaridade: são considerados apenas os filhos de mães judias,
não importa a etnia do pai, embora possa haver “góis” convertidos ao judaísmo.
Após longa preparação, a cerimônia de conversão é marcada pela aceitação de
todos os mandamentos da Torá e das leis rabínicas, um banho ritual e a
circuncisão.
Estado de Israel
Na Europa Ocidental, no século 19,
principalmente na Alemanha e na França, os judeus gozavam de condições sociais
mais elevadas e julgavam-se mais seguros e integrados. Até o advogado e
jornalista húngaro Theodore Herzl, que era cristão novo, ser convidado para ser
correspondente do jornal Neue Freie Press em Paris e cobrir o julgamento de
Alfred Dreyfus, oficial judeu do Exército francês acusado de traição,
injustamente condenado à prisão perpétua (1894), que provocou uma onda de
antissemitismo. A farsa do julgamento provocara forte reação do escritor Émile
Zola, numa carta aberta intitulada J’Accuse…!
Ao acompanhar o caso, Herzl constatou que a
assimilação não resolvia o problema do antissemitismo. Em 1895, lançou sua obra
“Der Judenstaat – Versuch Einer Modernen Lösung der Judenfrage” (“O Estado
judeu – Uma solução moderna para a questão judaica”), que deu origem ao
sionismo, em bases étnico-religiosas. Ao preconizar a reconstrução da soberania
nacional dos judeus em um Estado próprio, o que só viria a ocorrer após o
Holocausto, em 1948, discorreu sobre imigração, compra de terras, edificações,
leis, idioma e inspirou a legislação de Israel.
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu
escalou o mal-estar diplomático causado pela entrevista do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva na Etiópia, na qual acusou o governo de Israel de
genocídio e fez uma citação infeliz do Holocausto. Considerado “persona non
grata” pelo governo de Israel, Lula pode ser criticado duramente pela
associação que fez, mas sua condenação a Netanyahu, verdade seja dita, decorre
da morte de milhares de mulheres e crianças em Gaza, ou seja, dos crimes de
guerra cometidos por Israel.
Na esquerda brasileira, essa escalada verbal
provocou uma perigosa onda antissionista. Seu risco é despertar o nosso velho
antissemitismo enrustido na nossa sociedade, desde o período da Inquisição
católica. Sionista é quem defende a existência de Israel, de fascistas a
socialistas. Não se deve generalizar.
BIBITLER
ResponderExcluirMisericórdia!
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