domingo, 25 de fevereiro de 2024

Míriam Leitão - Os militares e as apurações

O Globo

O comando das Forças Armadas está enfrentando algo inédito na história: oficiais respondendo na Justiça por atos antidemocráticos

O ato convocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro será grande. Não se duvida disso no governo. Mas o próprio presidente Lula afastou a preocupação com o assunto, numa reunião do núcleo político na semana passada, segundo me revelou um participante. Lula disse o seguinte: “Bolsonaro está no direito dele de fazer manifestação”. Em seguida, o presidente passou a falar de problemas que precisavam ser superados na relação com o Congresso. Aliás, “a semana terminou melhor do que começou”, avalia um integrante da cúpula política, porque houve propostas para resolver alguns pontos de tensão com a Câmara e o Senado e muitas conversas. Já o ex-presidente Jair Bolsonaro teve que encarar em silêncio a Polícia Federal junto a alguns dos militares do seu governo. Hoje vai comandar uma multidão em São Paulo, porém sabendo que ele é o que é: um investigado.

A quinta-feira foi um dia intenso e emblemático em Brasília, marcado por ambientes opostos, em momentos quase simultâneos. Bolsonaro e os expoentes militares do seu governo na Polícia Federal, enquanto o ministro que encarou a reação aos atos golpistas de 8 de janeiro, Flávio Dino, vestia a toga de ministro do Supremo Tribunal Federal, diante de uma plateia com muita diversidade política. Um militar de alta patente, entre os convidados, comentou comigo que o silêncio dos ex-chefes militares no interrogatório “causava estranheza”, por ser na sua visão a “oportunidade dos esclarecimentos”, e por “ir contra a tradição das Forças Armadas”.

A questão mais importante é como o atual comando das Forças Armadas está encarando este momento inédito na história da República, em que militares, inclusive da ativa, respondem por atos antidemocráticos? Pelo que eu apurei, tudo está sendo visto com tranquilidade e em contato frequente com o ministro Alexandre de Moraes, até para saber como proceder internamente nas Forças diante dos desdobramentos das investigações sobre oficiais da ativa.

— Essas coisas, quando estiverem concluídas, evidentemente vão demandar ações administrativas, depois das sentenças. Não estamos falando em revanche, não entendo isso como revanche. As pessoas que erraram vão responder por isso — me disse uma autoridade militar.

Os militares não têm ainda todas as informações sobre o que houve dentro das Forças Armadas. Temem novas surpresas na delação do tenente-coronel Mauro Cid. Algo já está decidido: ele não será promovido e terá de sair da carreira. Em março, a turma dele entra em avaliação para ir para a patente de coronel. Nesta etapa da vida do militar, o percentual de promoção por merecimento é maior do que por antiguidade. A comissão avaliará quem tem mérito para ser promovido.

— Ele não tem mérito para ser promovido. Ele era um oficial excelente até serem conhecidos esses fatos. A partir do momento em que esses fatos foram conhecidos ele deixa de ter condição de ser promovido por merecimento. Ele é um oficial que não tem sequer condições de trabalhar — me disse um oficial superior.

Quando Cid for denunciado será afastado do Exército. O mesmo acontecerá com todos os que forem denunciados, porque imediatamente o militar entra na condição de estar sub judice, não pode ser promovido, nem removido. Mas muito do que houve na conspiração de Bolsonaro com os militares ainda não foi revelado. Não se sabe por exemplo quem foi o redator e os nomes de todos os signatários daquela carta de oficiais da ativa ao comandante do Exército, general Freire Gomes, com pressões para a adesão ao golpe.

O que os militares dizem é que assim que tudo for elucidado serão tomadas as decisões necessárias. O coronel Bernardo Romão Correa Neto foi retirado de dentro da sala de aula nos Estados Unidos assim que se soube dos indícios contra ele. O oficial foi levado até o adido militar, a quem entregou o passaporte. No dia seguinte, comprou-se passagem e o mandou para o Brasil, onde está preso. Ele havia ido para os Estados Unidos “não por um conluio para tirá-lo de cena”, explicou uma fonte militar. A escolha de quem vai para cursos no exterior é demorada, ele estava escolhido desde 2021. As Forças Armadas estão no seu processo de depuração de quem se envolveu na tentativa de golpe e vivendo um difícil momento.

–É muito ruim para as Forças esse momento de dúvida pairada no ar —afirmou um oficial.


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