Valor Econômico
Decisão coloca em xeque as declarações do
ministro da Defesa, José Múcio, de que as Forças Armadas “como um todo” não
queriam um golpe
A decisão que fundamentou a Operação “Tempus Veritatis” (hora da verdade), da Polícia Federal, atesta a participação, na tentativa de golpe de Estado, de militares da ativa que permaneceram em seus cargos e foram até promovidos pelo atual comando do Exército.
Ao envolver o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, na trama golpista, a operação tem potencial ainda de afetar as eleições municipais. Além de uma minuta do golpe, apreendida no escritório do ex-presidente na sede do PL, ficou evidenciada a relação entre o técnico Élder Balbino, contratado por Valdemar para atestar fraude nas urnas, e Fernando Cerimedo, um dos responsáveis pela difusão de notícias falsas durante a campanha. Valdemar foi preso durante a operação de busca e apreensão, pela posse ilegal de arma e de uma pepita de ouro não registrada.
E, finalmente, ao apreender o passaporte de Jair Bolsonaro, a Polícia Federal indica que o desfecho do inquérito sobre a participação do ex-presidente nos atos golpistas está próximo. Em mensagem de Cid, supostamente ao general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, o ex-ajudante de ordens diz que Bolsonaro estava com um decreto, supostamente a minuta golpista, para respaldar participação das Forças Armadas no golpe.
O oficial de mais alta patente arrolado no
inquérito é o general Theophilo Gaspar de Oliveira, que hoje está na
reserva, mas à época estava à frente do Comando de Operações Terrestres (Coter)
e integrava o Alto Comando do Exército. O general permaneceu nesta função até
30 de novembro do ano passado.
A decisão se baseia no vídeo de uma reunião
com o ex-presidente, nas informações obtidas da delação de seu ex-ajudante de
ordens, Mauro Cid, e no conjunto de mensagens arroladas no inquérito. Nas
mensagens de WhatsApp entre Cid e outro coronel, Bernardo Corrêa Neto, o
general Theophilo aparece como adesão certa ao golpe, desde que Bolsonaro
assinasse a minuta de decreto golpista.
Em outra troca de mensagens, desta vez entre
Cid e o próprio general, Theophilo lhe garante que vai falar com o
general Julio Cesar Arruda, ex-comandante do Exército, para que uma
eventual prisão do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro não se concretizasse. A
interação com os golpistas não o inibiu a propor a reunião de vários tropas sob
seu comando (operações especiais, artilharia, defesa cibernética e comunicação)
ao longo dos 11 meses em que permaneceu em suas funções sob o novo governo. A
proposta, confirmada pelo Exército, não chegou a ser acatada pelo Alto Comando.
A decisão do ministro Alexandre de Moraes
fundamenta ainda a participação do coronel Bernardo Corrêa Neto, então lotado
no Comando Sul, no aliciamento de oficiais para a subscrição da “Carta ao
comandante do Exército de oficiais superiores da ativa do Exército brasileiro”.
A despeito desta atuação, o coronel foi transferido para o Colégio
Interamericano de Defesa, em Washington. A transferência foi assinada em
30/12/2022, segundo a decisão de Moraes, e em 2021, segundo o Exército. No
Informex, porém, boletim oficial, a transferência tem como data o “terceiro
trimestre de 2023” com permanência de dois anos.
A carta, cuja minuta foi enviada por Corrêa
Neto, a Mauro Cid, visava a pressionar o então comandante do Exército, general
Freire Gomes, a aderir ao golpe. O coronel cumpria, por delegação de Cid, a
tarefa de aliciar oficiais para a empreitada golpista.
Como antecipado pelo Valor, em 21 de setembro
de 2022, o almirante Almir Garnier, comandante da Marinha, aderiu
incondicionalmente ao golpe, o comandante da Aeronáutica, Carlos Baptista,
resistiu, e coube a Freire Gomes, comandante do Exército, se opor abertamente.
O então ministro-chefe do Gabinete de
Segurança Institucional, general Augusto Heleno, é identificado como um
eloquente defensor de um golpe antes das eleições — “Se tiver que dar soco na
mesa é antes das eleições”. Diz ainda ter pedido ao diretor-adjunto da Abin,
Vitor Carneiro, para infiltrar agentes nas eleições. Neste momento, segundo o
relato que consta da decisão, interrompe Heleno e diz que tratarão do assunto
“em particular”. A manifestação indica que as ações ilegais moviam a própria
Abin e não uma “Abin paralela”.
Nas mensagens reproduzidas constam aquelas
que foram trocadas pela rede interna de comunicação do Exército, Una. Apesar
disso, o atual comando do Exército informa que não teve conhecimento de nenhuma
das informações contidas na decisão e que, por isso, não poderia ter evitado
que os oficiais citados tivessem permanecidos em suas funções, fossem
promovidos e que transferências determinadas pelo comando anterior fossem
efetivadas. A assessoria do general Tomás Paiva informa ainda que há
“informações pessoais” na troca de mensagens desta intranet e que, por isso, a
rede não é monitorada pelo Centro de Informações do Exército.
O tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira,
encarregado por Cid de dar apoio logístico ao acampamento golpista em frente ao
QG do Exército e ao deslocamento de golpistas, foi promovido já sob o atual
comando. Desde o fim do segundo turno de 2022, a troca de informações entre os
dois girou em torno do apoio para a realização de manifestações cujos alvos
seriam o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. “O que demonstra que
os protestos convocados não se originavam da mobilização popular, mas, sim, da
arregimentação e do suporte direto do grupo ligado ao então presidente Jair
Bolsonaro”, diz a decisão. É assim que Moraes contesta a linha de defesa
militar de que a conivência com os acampamentos visava a não se contrapor a
“manifestações populares”.
O ex-ministro da Casa Civil general Braga
Netto tem mensagens de WhatsApp em que critica com termos de baixo calão os
ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica. A decisão reproduz suas queixas
contra o atual comandante do Exército, general Tomás Paiva. Em mensagem por
WhatsApp, Braga Netto dá conta de uma visita do general ao ex-comandante do
Exército Eduardo Villas Bôas e diz que ele, Tomás Paiva, tem se insurgido
contra as atividades golpistas de Theophilo e do ex-ministro da Defesa, Paulo
Sérgio Oliveira — “nunca valeu nada”.
A decisão coloca em xeque as declarações do
ministro da Defesa, José Múcio, de que os acampamentos em frente ao
quartel general do Exército eram democráticos e que as Forças Armadas “como um
todo” não queriam um golpe. O despacho do ministro Alexandre de Moraes ainda
evidencia que esta omissão em relação ao acampamento em frente ao QG era parte
do planejamento dos atos de 8/1.
Passados 13 meses dos atos golpistas, 1.430
pessoas foram presas e 28 já foram condenadas. Enquanto isso, o Exército abriu
quatro Inquéritos Policiais Militares e quatro processos administrativos até
aqui, mas nenhum crime foi admitido. O Exército puniu dois militares de baixa
patente por infração disciplinar.
Golpismo explícito de militares da ativa!
ResponderExcluirOnde já se vou!
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