Valor Econômico
Lira não contará com mercado se resolver
incendiar relação com Executivo
O presidente da Câmara dos Deputados foi o
único personagem da política com cadeira cativa nas três últimas edições da
conferência anual do BTG. Este ano, Arthur Lira não apareceu. O BTG informa que
o deputado foi convidado mas não pôde comparecer. A julgar pela recepção que o
presidente do Conselho de Administração do banco deu ao ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, a ausência de Lira não inquietou o setor com o qual
estabeleceu fina sintonia ao longo de seu mandato na mesa da Câmara.
“Havia uma certa dúvida daquilo que a gente podia esperar, seja do governo, seja do ministério, seja da política, seja das relações institucionais. E agora, doze meses depois, esta casa cheia é sinal de seu prestígio; sob sua liderança a economia do país foi tocada com transparência, bom senso, seguindo as melhores práticas que funcionam em todos os lugares do mundo com diálogo com a política, com o mercado, com o setor real da economia. Hoje posso garantir que todos os presentes se sentem tranquilos e seguros de ir em frente com seus investimentos pela maneira como o senhor liderou a economia ao longo desses 12 meses”, disse André Esteves.
O encontro foi um sinal de que, no maremoto
que se avizinha na Câmara, Lira não poderá contar com esta âncora como o fez
nos tempos do “kit robótica”. O gestor do BTG estendeu o tapete vermelho a
Haddad no mesmo dia em que o deputado ameaçou o governo no discurso com o qual
abriu os trabalhos da Câmara.
Ao longo da campanha de 2022 e do primeiro
ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva, a presença de Lira no comando de uma
Casa de maioria conservadora foi saudada como a garantia do mercado de que o PT
não faria desandar o país. Não é mais. Mesmo quem, no sistema financeiro, ainda
vê em Lira um anteparo para o apetite arrecadatório do governo e teme sua
expansão na regulamentação da reforma tributária, está de acordo que o
presidente da Câmara passou da conta.
Se há alguma dúvida de que Esteves representa
a turma, compare-se o discurso de 2018 de Luis Stuhlberger em defesa do Centrão
- “Esse Congresso vale pelo menos para o Executivo não fazer uma grande
besteira. Tem uma certa blindagem" - com o de hoje. Este ano, o gestor do
Verde já não parece ver tanta necessidade de blindagem: “Enquanto Lula for
chefe de Estado e Haddad, na prática, for o chefe de governo... [Haddad] é uma
pessoa boa, consciente, pode não pensar igual à gente, mas é responsável, tem
boas ideias [...] é um governo razoável”.
Se o mercado deixou de ser a âncora de Lira é
dela que Haddad se vale para ter certeza de que, ao destampar o pântano do
programa de incentivos a eventos, o Perse, não levará Lira a implodir o país.
Da interlocução com o topo da pirâmide, o ministro tira a certeza de que a
aposta é pela decolagem do país, cenário que seria inviabilizado pela
concretização das ameaças.
Na equação montada pela Fazenda para desarmar
a reação ao desmonte do bilionário mercado de renúncias fiscais, o que ainda
não está muito claro é a extensão dos sócios, no Congresso, dos desvios desses
recursos. Os primeiros achados da Receita indicam que um programa criado para
compensar os prejuízos do setor com a pandemia e previsto para custar R$ 4
bilhões em incentivos só chegou a R$ 17 bilhões graças a fraudes e à lavagem de
dinheiro. Identificou-se, por exemplo, um shopping center que dedicava 4m2 a uma
apresentação musical por semana, e, com isso, tornou-se beneficiário das
isenções do programa. Constatou-se ainda que eventos com previsão de público de
100 mil pessoas (e auxílio correspondente) só reuniram quatro mil.
Haddad acredita no poder de “constrangimento”
da política, ou seja, que o esclarecimento do maior número de pessoas sobre o
que é “certo” constrange aqueles que fazem “errado”. O risco é o de que os
prejudicados se unam e passem a bloquear permanentemente o governo.
Por desabrido, espera-se que o enfrentamento
do Perse tenha submetido os riscos a régua e compasso. Calcula-se um núcleo
duro de beneficiários. Os sócios do butim não afetariam o quórum
(des)qualificado. A troca do colégio de líderes da Câmara poderá dar uma ideia
do quanto o pêndulo se move. Os movimentos do PSB indicam que o partido se
antecipou à devassa. Deixou o bloco comandado pelo presidente da Câmara e
trocou o líder, Felipe Carreras (PE), autor da medida que instituiu o Perse. O
PDT está no mesmo caminho. No PT, a troca de Zeca Dirceu (PR) por Odair Cunha
(MG) só fortaleceria Lira, e, por isso mesmo, ainda não está definida.
O poder de atração de um presidente da
República num ano eleitoral não se mede apenas pela liberação de emendas. Com a
decisão de permanecer mais no Brasil este ano, Lula já começou a viajar levando
a tiracolo lideranças que até outro dia orbitavam em torno de Lira. É um código
de prestígio para os parlamentares fazerem crer que têm acesso ao presidente.
Isolar um presidente da Câmara que ainda tem
um ano no cargo é sempre um risco, ainda por cima quando se avalia que os
potenciais atingidos pela devassa não caiam sozinhos. Não há, porém, mesmo no
seu entorno, quem não veja a rota de Lira se afunilar. O presidente da Câmara
não quis apenas evitar a maldição de antecessores, como Ibsen Pinheiro (MDB) ou
Eduardo Cunha (PTB). Se nunca lhe passou pela cabeça voltar à planície, como
Arlindo Chinaglia (PT), poderia ter trabalhado para virar ministro, como Aldo
Rebelo (PDT), até a disputa pelo Senado em 2026, sobre a qual já havia acordo
com o governo.
Lira quis mais. Não se satisfez com Turismo e
Esporte de porteira fechada. Nem com metade das diretorias da Caixa Econômica
Federal. Saiu a assinar de próprio punho requerimento de informações à Pasta da
Saúde para constranger o ministro das Relações Institucionais, Alexandre
Padilha, ousadia de que nem Cunha foi capaz. Acreditou ainda que pudesse
instalar cizânia no governo ao prestigiar o ministro da Casa Civil, Rui Costa,
em detrimento de Haddad. E ainda fez do Perse um cavalo de batalha. Quis, enfim,
controlar sua sucessão para continuar a mandar na Câmara, façanha de que nenhum
antecessor foi capaz. A esta altura, terá sorte se apenas sair desta menor do
que entrou.
Cadê os comentários?
ResponderExcluirTexto límpido e brilhante como a pepita d'ouro encontrada na sede do PL.
ResponderExcluirPerfeito.
Desta vez é Lira que pega fogo enquanto Lula observa os aplausos de Roma.