Folha de S. Paulo
Governo conseguiu apoio político para uma
reforma de centro-direita, mas 'el loco' quer mais
Javier Milei ainda
quer fazer revolução. Quer poderes incontestáveis de reformar ou virar do
avesso a economia, o Estado, direitos civis, políticos etc.
A Argentina precisa
mesmo de reformas profundas. Muito eleitor e mesmo parte considerável da
"casta", parlamentares, estão dispostos a discutir essa mudança. Até
agora, porém, "el loco" está cumprindo sua promessa reiterada de que
não negocia nada.
Imaginar que a Argentina de Milei embarcou em
um processo e um debate de reformas é uma incompreensão grande do que se passa
nos vizinhos, para ser ameno.
"El loco" quer poderes extraordinários, por concessão legal, de baixar decretos. Contrariado, o governismo voltou a falar de lançar plebiscitos, o que não pode fazer, nos casos daqueles que de fato resultam em leis, "vinculantes" (depende de iniciativa do Congresso).
Até a semana passada, era comum ler e ouvir
no Brasil que Milei obtivera "vitórias" no Congresso. Hum. Para um
presidente que tem apenas 38 de 257 deputados da Câmara, poderia até ser um
progresso que seu pacotão de leis não tivesse sido bloqueado ou trucidado logo
de início.
O fato é que o pacotão foi talhado em mais da
metade antes de ir para o plenário, até porque o governo retirou da pauta
artigos que estavam marcados para morrer. No entanto, viu-se que o governo
poderia contar com uma maioria mínima disposta ao menos a conversar.
Somados os deputados da "Libertad
Avanza" de Milei com os da oposição "dialoguista", até
terça-feira (6) o governo parecia ter algo entre 130 e 134 deputados.
Milei não quer conversar. Ao
ver uma mínima parte de seu pacotão cair na Câmara, retirou o projeto.
Chamou mesmo opositores amigáveis de delinquentes, bestas, traidores e
chantagistas. Insultou governadores "centristas" (muristas),
dispostos a negociar —governadores de províncias têm mais influência sobre
parlamentares do que no Brasil.
A "Lei de Bases e Pontos de Partida para
a Liberdade dos Argentinos" e seus mais de 600 artigos voltam ao início do
processo de tramitação. Entre delírios de grandeza e de outros tipos, há lá
reforma relevante.
O plano de controle de gasto público depende
apenas em parte dessa lei "omnibus" (25% ou menos, na conta do
ministério da Economia). Em tese, portanto, seria possível começar a tocar um
plano de estabilização macroeconômica sem Milei ter poderes amalucados.
No entanto, não há propriamente plano de
estabilização, um programa sequenciado de medidas e seus fundamentos, com metas
parciais e outros requisitos. Há uma meta de zerar o déficit, que depende de
impostos (de lei) e de cortes violentos.
Por exemplo, depende de corte de subsídios de
transporte e energia, o que está acontecendo. Depende de redução do valor de
aposentadorias (meio na marra e pela inflação), de
cancelamento total de obras públicas e redução drástica de transferências de
recursos para as províncias ("estados"). Depende de taxas de juros menores
—as taxas argentinas são negativas.
O FMI apoia
Milei, ao menos por ora, e soltou dinheiro bastante para evitar calote até
abril.
Em parte, esse improviso parece
insustentável. Além do mais, há outras necessidades básicas: a criação de um
mercado de dívida pública, de um banco central organizado (Milei quer acabar
com tudo), alguma regra fiscal, mercado de câmbio racional, revisão de impostos
esdrúxulos.
Por ora, contém-se estouro ainda maior da
inflação com o plano/promessa de estabilizar a taxa de câmbio oficial, ou quase
(haverá minidesvalorizações, depois da máxi). Com a inflação descabelada, essa
taxa de câmbio não vai ajudar mais nada em um trimestre.
A prioridade de Milei, porém, é uma espécie
de tirania consentida, não um processo pensado de reforma conversada. Bidu.
Sei.
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