Valor Econômico
Pressão sobre Lewandowski provoca primeiro
embate entre os apoiadores do ex-presidente
A fuga inédita no presídio federal de
Mossoró não desafia apenas o governo Luiz Inácio Lula da Silva mas as
bases do bolsonarismo. O primeiro racha já aconteceu. Na quarta-feira à noite,
um dos expoentes do bolsonarismo raiz na Câmara dos Deputados, Ubiratan
Sanderson (PL-RS), presidente da Comissão de Segurança Pública, anunciou a
convocação do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, para explicar
a fuga.
Na manhã seguinte, o presidente do PP e senador Ciro Nogueira (PI), um dos principais aliados do ex-presidente no Centrão, foi às redes sociais para aliviar a pressão: “O ministro da Justiça acabou de assumir. Culpá-lo e fazer política com esta fuga dos presídios federais, convocando-o, só cria barulho. Solução, não. O Brasil quer solução. Que o ministro possa mostrar a que veio. A oposição responsável quer o melhor para o país e não o pior para ninguém”.
A fuga acontece uma semana depois do cerco
sobre o bolsonarismo ter-se fechado com a operação da Polícia Federal que
apreendeu o passaporte de Jair Bolsonaro, efetuou prisões e fez operações de
busca e apreensão envolvendo suspeitos de colaboração golpista.
Tanto o secretário nacional de Políticas
Penais, André Garcia, quanto o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski,
reconheceram claramente que uma fuga do gênero não teria ocorrido se não
tivesse havido quebra no protocolo de segurança.
Por mais que este protocolo seja reforçado, o
problema é o que a quebra da inviolabilidade do sistema penitenciário nacional
acarreta. Lewandowski não poderia ter sido mais claro: “É preciso tomar todo
cuidado para que este exemplo não incite outros incidentes desta natureza”.
Como define um conhecedor do tema, as facções
criminosas poderão concluir que, onde passa um boi passa também uma boiada.
Serão construídas muralhas nos cinco presídios federais, mas se ferramentas de
reformas continuarem jogadas em canteiros de obras, além das celas, essas
muralhas também estarão vulneráveis.
Lewandowski
anuncia construção de muralhas e reconhecimento facial nos presídios federais
Defesa de
Bolsonaro quer impedir Moraes de atuar em investigação sobre tentativa de golpe
A necessidade de reforçar a política
penitenciária se torna ainda mais imperativa num momento em que as bases
policiais bolsonaristas estão sendo estimuladas a demonstrar solidariedade ao
ex-presidente. Bolsonaro convocou uma manifestação para o dia 25 contra o cerco
da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal. No governo não se afastam os
riscos advindos de sabotagem ao reforço da política penitenciária.
Se a fuga dos presidiários, de um lado,
engrossa o apoio da extrema-direita ao ex-presidente, do Congresso às bases
policiais, por outro, desmobiliza aliados do Centrão, como demonstrou a
manifestação do presidente do PP. A ofensiva em cima de Valdemar Costa
Neto, presidente do PL, demonstra que os partidos que apoiaram Bolsonaro não
serão poupados.
É a coincidência desses dois movimentos que
impõe urgência para a reação do governo à fuga de Mossoró. A fuga aconteceu às
3h da manhã da quarta-feira de cinzas e a nota oficial do MJ só foi divulgada
às 18h. A letargia se deveu a uma sucessão de problemas operacionais. O
ministro, que só chegou a Brasília ao meio-dia desta quinta-feira, foi avisado
apenas às 8h da manhã, cinco horas depois da fuga.
O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei
Rodrigues, estava fora de Brasília. Como não havia pista para o pouso do jato
da PF em Mossoró, a equipe enviada para a recaptura dos presos e o início das
investigações foi mandada de turbo-hélice e só chegou às 17h40 na cidade. O
afastamento do diretor do presídio, que estava fora de Mossoró por ocasião da
fuga, já havia sido decidido, mas optou-se por anunciar sua substituição apenas
com a chegada do interventor a Mossoró, o policial penal federal Carlos
Luis Vieira Pires, neste voo.
Os primeiros indícios de falhas apontam que o
forro das celas não era concretado, a iluminação era falha, as câmeras de
segurança estavam há dois anos sem manutenção e, finalmente, havia as
ferramentas da reforma largadas no canteiro de obras.
Além do reforço na segurança dos outros
quatro presídios federais, foi anunciada que a busca dos dois fugitivos, que
estavam no presídio por terem liderado uma rebelião num presídio do Acre,
passou do patamar “laranja” para “vermelho” na Interpol.
Além de dura, a reação tem que parecer dura.
Ao contrário de seu antecessor, Flavio Dino, o atual MJ nem perfil no X,
antigo Twitter tem, o que dificulta esta missão. A demora na posse daquele que
deve ser seu principal braço-direito no combate ao crime organizado, o
ex-procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Sarrubbo, que assumirá
a Secretaria Nacional de Segurança Pública, também.
Das prioridades anunciadas — a recaptura dos
presos, o esclarecimento das causas da fuga e as medidas para que o evento não
se repita — dependem em grande parte não apenas o futuro do combate ao crime
organizado mas o êxito do Executivo no latifúndio, liderado pelo Judiciário, do
enfrentamento ao golpismo
É a parte que lhe cabe neste latifúndio.
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