O Globo
Lula mistura alhos com bugalhos de maneira
absurda, com consequências graves. A não ser por uma tendência ideológica
contra o Estado de Israel, completamente fora da política tradicional
brasileira, é inexplicável o que aconteceu
A humilhação pública a que foi submetido o
embaixador do Brasil em Israel, Frederico Meyer, pelo Estado de Israel, sendo
repreendido no Museu do Holocausto diante de jornalistas, é exemplar da
passionalidade que o tema desperta no povo judeu. E do erro grosseiro,
diplomático, histórico e ideológico cometido pelo presidente Lula ao comparar
uma reação excessiva de Israel ao ataque terrorista do Hamas à política de
dizimação em massa levada a efeito pelos alemães contra os judeus na Segunda
Guerra Mundial.
A única maneira de Israel voltar atrás na declaração de que Lula é persona non grata seria o Brasil pedir desculpas, e o recrudescimento da crise com a convocação do embaixador brasileiro de volta e a correspondente reprimenda ao embaixador de Israel no Brasil mostra que dificilmente teremos uma solução rápida para uma crise desnecessária.
Já que foi dito, seria preciso encontrar uma
maneira que explique a frase, por meio de um comunicado, sem pedir desculpas.
Mas a própria primeira-dama Janja já demonstrou como é difícil a tarefa de
enrolar a língua de volta à boca. Se a ideia era criticar o governo israelense,
e não o povo judeu, o improviso de Lula foi um ato falho revelador de seus
sentimentos políticos.
O comentário do assessor especial da
Presidência, Celso Amorim, de que quem deve desculpas é Israel, e não a Lula, à
Humanidade, reflete bem o estado de espírito que tomou conta do governo
brasileiro depois do escandaloso episódio. Não se trata mais de um conselheiro,
mas de um militante de uma causa, sem a devida cautela. Ao se referir ao Estado
de Israel, e não ao governo de Israel, um diplomata experiente como Amorim sabe
que transforma uma política de governo numa política de Estado, jogando a acusação
para Israel.
O Brasil tem todo o direito, e o dever, de
denunciar os abusos do governo de Israel no combate ao Hamas. Se fizer uma
conta rápida, dos milhões de judeus assassinados inequivocamente para
exterminar um povo, com o que está acontecendo hoje em Gaza, não é possível
aceitar uma comparação tão absurda. Além do mais, o assassinato em massa, com
recursos tecnológicos para se repetir em escala industrial, denota o objetivo
de eliminar uma etnia.
A reação do Estado de Israel ao ataque
terrorista do Hamas, justificada pela barbaridade perpetrada, deveria ter sido
controlada para evitar os excessos de força claramente havidos. Mas não há nem
mesmo genocídio, segundo a Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, já
passando para o campo da retórica política a qualificação que o governo
brasileiro adotou em sua linguagem diplomática corriqueira, noutro deslize.
Seria preciso tomar providências, de acordo com a CIJ, para evitar um ambiente
político que leve ao genocídio, o que é muito grave, mas substancialmente
diferente.
O presidente da República tem de ter mais
conhecimento histórico, ou mais responsabilidade, cada vez que abre a boca.
Ainda mais um que se pretende líder mundial e almeja papel relevante no cenário
internacional, numa ação frenética em busca dos holofotes. Esse açodamento em
busca do protagonismo acaba levando a armadilhas, como ser identificado pelo
grupo terrorista Hamas como seu defensor, a ponto de ser elogiado numa
declaração formal, prejudicando os palestinos que não têm nada a ver com
terrorismo.
Mistura alhos com bugalhos de maneira
absurda, com consequências graves. A não ser por uma tendência ideológica
contra o Estado de Israel, completamente fora da política tradicional
brasileira, é inexplicável o que aconteceu.
Merval se mervaindo todo.
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