O Globo
No plano governamental, não há qualquer
menção à indústria cultural
A passagem de Taylor Swift pelo Brasil, em
seis apresentações, movimentou algo como R$ 400 milhões. Próximos aos estádios
onde ocorreram os shows, os hotéis ficaram lotados. Foram vendidos cerca de 560
mil ingressos, entre Rio e São Paulo. Sua turnê nos Estados Unidos, cujo
resultado é estimado em US$ 4,6 bilhões, mereceu comentários elogiosos nos
vetustos relatórios do Fed (banco central americano) como exemplo da potente
economia criativa.
Noutro exemplo da indústria cultural, em números de 2022, o audiovisual brasileiro adicionou à economia mais de R$ 27 bilhões. Só em impostos pagou cerca de R$ 9 bilhões. O volume financeiro gerou mais de 300 mil empregos.
No já afamado plano da Nova Indústria
Brasileira, alcunhado NIB, divulgado há pouco pelo presidente Lula, são citadas
seis “missões”para impulsionar o desenvolvimento brasileiro, com
“sustentabilidade e inovação”, até 2033. Entre elas, o apoio às tecnologias de
defesa, com incentivo novamente à indústria naval, cujo passado de fracasso a
condena (ao menos Bolsonaro saiu mais barato, quando modestamente isentou a
importação de jet ski).
No plano governamental, não há qualquer
menção à indústria cultural. Sempre pode-se dizer tratar-se de opção. O
problema é quando a visão geiselista veste a esquerda brasileira em nome da —
perdão — soberania nacional. Aí voltamos às carroças pré-Collor. Sendo
didático, vale dizer que, na prática, o conceito de economia criativa nasceu
entre os britânicos, durante o governo de Tony Blair, sob a inspiração do
ministro Chris Smith, que desenvolveu uma metodologia pioneira capaz de mostrar
o impacto econômico, em Londres e região, de um concerto dos Rolling Stones. No
caso brasileiro, em 2020, o setor empregava em torno de 7,4 milhões de pessoas,
junto a 130 mil empresas.
Cada governo tem sua obsessão. O anterior
mirava transformar Angra dos Reis numa Cancún, mandando às favas a
biodiversidade. O atual mira fechar o comércio aos domingos (teremos mais tempo
para ir aos cultos), explorar petróleo na foz do Amazonas (embora negue) e dar
um gás às montadoras das carroças nacionais. O programa Mobilidade Verde e
Inovação, o tal Mover, ofertará em incentivo fiscal, sob o verniz da
descabornização, R$ 19,3 bilhões até o final de 2028. Ainda no ano passado, as
mesmas multinacionais ganharam outra isenção para vender seus carros populares
— hoje em torno de R$ 70 mil, para um salário mínimo nos atuais R$ 1.412. A
psicanálise deve explicar a fixação do PT, nascido nos canteiros do ABC, com a
indústria automobilística. Os números não justificam o que afigura ser tamanha
dependência emocional.
Podemos usar os dados de 2020, quando a
Economia da Cultura e Indústrias Criativas (Ecic) movimentou cerca de R$ 230,14
bilhões. E mais: o valor corresponde a 3,11% do PIB brasileiro. No mesmo
período, o setor automotivo representou 2,1%.
A Ecic reúne os setores de livros,
publicidade, desenvolvimento de software e games, entre outros. É chamada de
indústria criativa porque necessita de educação, tecnologia e inovação, também
conhecimento, para ser um produto distinto. Ao contrário dos carros
brasileiros, alcança dezenas de mercados internacionais. Ainda com números de
2020, a Ecic respondeu por 2,4% das exportações brasileiras. Em 2019, o setor
representou 2,81% de nossas riquezas.
Leis surgidas durante a pandemia, como Paulo
Gustavo ou Aldir Blanc, extremamente importantes, não costuram uma
política de desenvolvimento efetivo no setor. O princípio da desregionalização
provoca alguns choques estranhos. Há distribuição a todas as prefeituras de
incentivos para áreas em que muitos municípios nem sequer possuem pessoal ou
expertise. O valor não é usado, termina em qualquer outra área, quando poderia
resultar em mais benefícios se destinado a locais onde já exista alguma
atividade desenvolvida. Em nome de certo populismo, abandona-se a otimização
dos recursos.
A economia criativa, ainda mais, trabalha com
a ideia de externalidade da cultura. Como o turismo audiovisual. A ferramenta
Kayak levantou o impacto das novelas brasileiras nos destinos retratados. A
análise registrou um aumento de buscas de 525% pelas cidades ou países onde as
tramas são ambientadas. Nas duas últimas décadas, Nova York adotou uma política
agressiva de incentivo para produções audiovisuais filmadas em sua geografia.
Como resultado, no ano passado atraiu 62 milhões de turistas para um faturamento
de US$ 74 bilhões na prefeitura.
Pois é.
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