Valor Econômico
Diante da crescente pressão populista, os tribunais podem ser os últimos garantidores da ordem constitucional democrática
Dia após dia, semana após semana, os tribunais estão cada vez mais na linha de frente da luta para preservar a democracia contra populistas e autoritários. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte ouviu recentemente as argumentações sobre a decisão do mais alto tribunal do Colorado de considerar que o ex-presidente Donald Trump não estava qualificado para ter seu nome incluído nas cédulas do Estado para as eleições presidenciais, por causa de seu papel na insurreição de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio. E uma corte de apelação rejeitou a alegação de Trump de que presidentes gozam de imunidade no caso de qualquer ação tomada durante seus mandatos.
Além disso, um tribunal estadual de Nova York
acaba de impor uma multa de US$ 354 milhões a Trump por fraude financeira. Isso
se soma aos US$ 83 milhões concedidos pelo júri em uma ação em que Trump foi
acusado de difamar uma mulher que ganhara um processo contra ele por abuso
sexual. Essas duas sentenças não só o impedem de ocupar altos cargos em
qualquer empresa com sede em Nova York durante os próximos três anos, como
provavelmente tirarão do ex-presidente quase todo o dinheiro que tem
disponível.
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, o
governo conservador do Reino Unido tenta aprovar uma lei de realocação de
migrantes que tem como objetivo contornar uma sentença da Suprema Corte que
anulou legislação semelhante no fim do ano passado. Em Israel, o mais alto
tribunal do país derrubou há pouco tempo uma emenda à Lei Básica que teria
restringido sua autoridade. E na Alemanha, o Tribunal Constitucional decidiu
recentemente que o financiamento público pode ser negado ao partido de extrema
direita e antidemocrático A Pátria, o que suscitou especulações de que poderia
analisar um caso semelhante que envolve a cada vez mais popular Alternativa
para a Alemanha (AfD).
O caso da qualificação para as eleições que
está na Suprema Corte pode se tornar um dos mais importantes da história dos
EUA. Depois que a Suprema Corte do Colorado decidiu que o papel de Trump na
insurreição de 6 de janeiro o impedia de ocupar altos cargos públicos, era
inevitável que o mais alto tribunal do país precisasse se pronunciar a
respeito.
Tendo aceitado o caso, os juízes precisam
decidir se impedirão uma volta de Trump à Presidência, sabedores de que ele
prometeu provocar “tumulto” se a sentença o prejudicar. Mas mesmo que os
seguidores de Trump causem distúrbios, o sistema de democracia dos EUA - que
foi concebido para dissuadir os demagogos - estará mantido. Em contrapartida,
se os juízes anularem a decisão do Colorado, como parece provável, o futuro da
democracia americana pode muito bem ficar nas mãos de apenas uma pequena fração
de eleitores nos importantes Estados em que o voto ainda está indefinido.
Os tribunais e a lei estão entrelaçados com a
vida política americana quase desde a fundação do país. Em 1835, Alexis de
Tocqueville observou que “raramente surge uma questão política nos EUA que não
seja convertida, mais cedo ou mais tarde, em uma questão judicial”. Isso não
era um exagero. Em 1803, a Suprema Corte asseverou, no caso Marbury v. Madison,
sua autoridade para rever e, se necessário, derrubar leis e se estabeleceu como
o tribunal a quem cabe a decisão final sobre o significado e os requisitos da
Constituição americana.
Embora os EUA sejam há muito tempo a
democracia preponderante do mundo, poucos países adotaram seu modelo
judiciário. Nos EUA, soberania da Corte é tida praticamente como certa, com
apenas murmúrios ocasionais de discordância. Mas muitos observadores de outros
países sentem-se apreensivos com a ideia de que alguns poucos homens e mulheres
de togas pretas possam decidir, por exemplo, sobre a criação de um banco
nacional ou a legalidade da escravatura. Embora quase todos os países
democráticos tenham um tribunal constitucional, poucos têm uma carga política
tão grande como o dos EUA. Pelo contrário, o que se espera deles é que se
submetam às autoridades eleitas.
E, no entanto, a política populista tem
pressionado cada vez mais a ordem constitucional de muitos países, o que leva a
mais episódios em que os tribunais se impõem de maneiras inéditas. Um bom
exemplo é a tentativa do governo direitista de Israel de impedir a Suprema
Corte do país de avaliar “a razoabilidade de uma decisão do governo, do
primeiro-ministro ou de qualquer outro ministro”.
No mês passado, a Suprema Corte israelense
derrubou essa lei. Seguindo os passos de seus equivalentes americanos, os
juízes determinaram que o tribunal - e não o Knesset, nem o governo, nem o
presidente - é a autoridade máxima no que diz respeito ao significado e aos
requisitos das Leis Básicas de Israel.
No Reino Unido, onde os tribunais são
descritos há muito tempo como “leões sob o trono”, a sentença do ano passado
que anulou a lei do governo de realocação de migrantes sugere que os juízes
sairão das sombras quando for necessário. A corte concluiu que a tentativa do
governo de enviar pessoas que buscavam asilo para Ruanda constituía uma
violação do direito internacional e nacional porque - ao contrário do que alega
o Ministério das Relações Exteriores - Ruanda não se qualifica como um país
seguro para reassentamento.
Ainda não está claro o que acontecerá se o
governo de Rishi Sunak conseguir aprovar uma lei que declare que Ruanda é um
país “seguro”, simplesmente porque nunca na história um governo britânico
adotou uma lei cujo único objetivo fosse negar a realidade (na verdade, o
número de ruandeses que pedem asilo político no Reino Unido já supera o número
daqueles que o Reino Unido tenta enviar para Ruanda).
Se a concepção tradicional de soberania
parlamentar do Reino Unido se mantiver, a Suprema Corte será obrigada a aceitar
esse resultado. Ainda assim, mesmo que os juízes não se mostrem dispostos a
derrubar o esquema constitucional neste caso específico, o deslocamento mais
generalizado no poder judiciário é claro, tanto no Reino Unido como em nível
internacional.
Para sobreviver a este período de ataques
populistas à ordem democrática, os tribunais terão de assumir seu papel
apropriado como árbitros da Justiça. Eles sabem que suas decisões não podem
basear-se nos caprichos emocionais de um Trump ou de um Boris Johnson. Eles
precisam seguir a razão, o precedente e a lei.
Em um momento de pressão populista crescente,
é provável que a aparente falta de obrigação democrática de prestar contas do
poder judiciário se revele como um de seus pontos fortes fundamentais e não
como uma fraqueza. Hoje, os tribunais podem ser os últimos garantidores da
ordem constitucional democrática. (Tradução de Lilian Carmona)
*Nicholas Reed Langen, bolsista do
re:constitution de 2021, edita a LSE Public Policy Review e escreve sobre a
Constituição britânica para o The Justice Gap. Copyright: Project Syndicate,
2024.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirO QUE É O TERRORISMO ?
ResponderExcluir■“O terrorismo é um método de luta, não é um crime”
=》Fica para os que quiserem pesquisar e descobrir quem é o autor desta declaração. Após descobrir o autor, fica fácil saber onde ele é doutrinado para introjetar na mente este tipo de conceito.
=》Penso que cabe também pensar o uso que fazem dos conceitos os aparelhos em que a criatura que declarou isso sobre terrorismo foi doutrinada e o grau que a mesma doutrinação já ganhou em você, quando você é alguém que acompanha a pregação dessa gente.