segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Equilíbrio do INSS depende de reformar aposentadoria rural

O Globo

Mesmo com mudanças de 2019, gasto previdenciário chegará a 18% do PIB até o fim do século, estima estudo

A reforma da Previdência que passou a vigorar em 2019 consumiu duas décadas de debates. Demorou para ser feita e, em meio a todo tipo de pressão para proteger categorias ou grupos sociais, deixou de fora os trabalhadores rurais. Em estudo publicado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), os economistas Fabio Giambiagi, Rogério Nagamine e Otávio Sidone afirmam que será essencial tratar deles numa nova rodada de reforma previdenciária. Quanto antes o Brasil discutir o assunto, menos custará para a sociedade.

De acordo com o estudo, a última reforma — da iniciativa privada, servidores federais e militares — reduziu a velocidade de crescimento do déficit previdenciário, mas foi incapaz de estancá-lo. Deu tempo para que sociedade, governos e Congresso buscassem construir consenso em torno de uma nova etapa de mudanças que, na opinião dos autores, deverão obrigatoriamente tratar da aposentadoria rural.

A julgar pelos números, não será possível esperar mais duas décadas para implementar as novas mudanças. Os economistas estimam que os gastos com aposentadorias e pensões, em torno de 8% do PIB em 2022, já exigem atenção dos administradores públicos e dos políticos. Mantidas as condições atuais — já contando os efeitos da reforma de 2019 —, a despesa total do INSS poderia chegar a 18% do PIB em 2100. Isso equivale a aproximadamente todos os gastos da União em 2023.

A Constituição de 1988 reduziu em cinco anos a idade mínima para aposentadoria no campo em relação aos trabalhadores urbanos (de 65 para 60 anos para os homens; de 60 para 55 anos para as mulheres). Foi também alterado o piso do benefício rural: de meio salário mínimo para um salário integral. Além disso, o poder de compra do salário mínimo quase triplicou desde então. Levando em conta o aumento na expectativa de vida, os economistas calculam que o benefício foi multiplicado por 5,5 em termos reais. Tornou-se um programa social disfarçado.

A defasagem entre o que o INSS paga a trabalhadores rurais e o que recebe em contribuição é gigantesca. Em 2022, o Estado distribuiu R$ 163 bilhões e recebeu apenas R$ 9 bilhões, resultando num déficit de R$ 154 bilhões ou 1,3% do PIB. Enquanto as aposentadorias e pensões no meio rural equivalem a 20% dos gastos previdenciários, os trabalhadores em atividades agrícolas contribuem com menos de 2% da arrecadação previdenciária total.

Os economistas sugerem que a próxima reforma aumente a idade mínima de aposentadoria no campo de forma paulatina, respeitando direitos adquiridos. Uma das defesas do tratamento mais generoso dispensado ao aposentado rural é que a atividade no campo é mais desgastante. Eles contra-argumentam com a crescente mecanização da agricultura, que reduziu o trabalho pesado ou, a depender da atividade, até o eliminou.

A análise chama a atenção para o desequilíbrio financeiro da Previdência como um todo. Para reverter a trajetória, é imprescindível começar a discutir desde já uma nova reforma que contemple os trabalhadores rurais. Apenas a uniformização das idades de aposentadoria entre cidade e campo seria capaz, de acordo com o estudo, de gerar uma economia de R$ 900 bilhões em 30 anos.

Não deve haver nenhum empecilho para a realização do aborto legal

O Globo

Em casos de estupro, risco para a mãe ou feto anencéfalo, procedimento é um direito que não pode ser dificultado

Desde 1940, o aborto é permitido no Brasil em situações específicas: nos casos de estupro ou quando a gestação representa risco para a vida da mulher. Em 2012, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), passou a ser autorizado também no caso de feto anencéfalo (com malformação cerebral). Por mais que a questão desperte debates acalorados, isso é o que diz a lei em vigor — e ela deve ser cumprida.

Por isso causam estranheza várias iniciativas motivadas por convicções ideológicas, morais ou religiosas que, embora legítimas num regime plural e democrático, não encontram respaldo na legislação. É o caso de leis adotadas por estados e municípios ou de tentativas de restringir a prática do aborto legal nos estabelecimentos públicos, que acabam por levar a questão à Justiça desnecessariamente.

No mês passado, o governo de Goiás sancionou uma lei determinando que, antes do aborto legal, o estado forneça à gestante áudios do exame de ultrassom com os batimentos cardíacos do feto (a lei é contestada no STF). Em dezembro, a Câmara Municipal de Maceió promulgara lei semelhante, com o objetivo de dificultar o aborto legal. Entre outras ações, previa que equipes multidisciplinares apresentassem às gestantes efeitos colaterais do aborto como “pesadelos”, “depressão” e “remorso” (a Defensoria Pública de Alagoas obteve na Justiça liminar suspendendo a norma). Em Santo André, no ABC paulista, parte de uma lei que criava obstáculos para o aborto legal foi suspensa pela Justiça de São Paulo.

A gestante que busca fazer o aborto permitido por lei precisa enfrentar um périplo, pois o serviço público impõe toda sorte de dificuldades. Em São Paulo, o Hospital Vila Nova Cachoeirinha, referência em aborto legal, suspendeu o procedimento em dezembro, sob o argumento de que precisava aumentar a capacidade de realizar cirurgias. Mesmo depois de uma guerra de liminares, o serviço permaneceu suspenso.

Em 2020, repercutiu em todo o país o caso da menina de 10 anos, vítima de estupro, que precisou sair do Espírito Santo, onde morava, para fazer no Recife um aborto autorizado pela Justiça. O caso ganhou contornos absurdos quando o endereço do hospital, mantido em sigilo, foi divulgado nas redes sociais, e grupos antiaborto protestaram na porta para tentar coagir os médicos que fariam o procedimento.

Compreende-se que a descriminalização do aborto suscite controvérsias, motivadas por convicções legítimas. Mas não se trata de questioná-las. Trata-se tão somente de cumprir o que diz a lei. Mulheres que se enquadram nos casos previstos têm direito ao aborto legal em unidades públicas de saúde. Estados, prefeituras e hospitais não podem interpretar a legislação de acordo com suas crenças. Uma coisa é emitir opinião sobre o assunto, outra bem diferente é agir para tolher direitos legítimos. É preciso levar em conta que as mulheres que recorrem ao aborto legal — vítimas de estupro ou em condições clínicas graves — já padecem com enorme carga de sofrimento. Aumentá-la é uma crueldade.

Urge apuração sobre alta dos precatórios

Folha de S. Paulo

Autoridades devem descobrir motivos da escalada das dívidas judiciais, em vez de tentar esconder o problema na contabilidade

A expansão acelerada dos gastos do Tesouro decorrentes de derrotas judiciais só começou a merecer a devida atenção das autoridades há menos de três anos, quando uma conta exorbitante de quase R$ 90 bilhões em precatórios foi apresentada para pagamento em 2022.

Ainda assim, a primeira reação foi tentar varrer o problema para debaixo do tapete. Para que a despesa imprevista não comprometesse o cofre em um período eleitoral, o governo Jair Bolsonaro (PL) fez aprovar uma emenda constitucional que promovia o calote de parte dos compromissos, adiando-os para os exercícios seguintes.

Era evidente que tal estratégia provocaria uma bola de neve de dívidas acumuladas impagáveis. A gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez o correto, portanto, ao conseguir que o Supremo Tribunal Federal derrubasse a emenda, abrindo caminho para a quitação dos montantes em atraso.

Felizmente, porém, o STF não autorizou o propósito da administração petista de classificar parte dos pagamentos como gastos financeiros —o que seria um truque de contabilidade mais uma vez destinado a mascarar a gravidade de uma ameaça ao Orçamento.

Precatórios não são dívidas oriundas de uma operação de crédito, como a tomada de um empréstimo. Eles resultam de obrigações cotidianas, como salários, benefícios sociais e repasses a entes federativos, que o governo deixou de cumprir —indevidamente, no entender da Justiça.

Sua quitação, pois, deve ser considerada uma despesa primária, e assim sujeita aos limites impostos pelas regras de controle fiscal.

Em um exemplo eloquente de como tais encargos têm se multiplicado, a Folha noticiou que só os precatórios de pequeno valor da Previdência saltaram de R$ 5,4 bilhões, em 2014, para R$ 19,5 bilhões no ano passado.

A maneira correta de lidar com a questão é promover uma apuração rigorosa das causas dessa escalada. Cumpre averiguar, entre outras possibilidades, se a máquina governamental tem falhado no atendimento da clientela de seus programas —ou se há deficiências na defesa judicial da União, até contra a detecção de fraudes.

Sabe-se, ao menos, que o governo criou uma espécie de força-tarefa, abrangendo Ministério do Planejamento e Advocacia-Geral da União, para examinar o assunto. Os resultados de um trabalho dessa natureza visam naturalmente o longo prazo, o que não os tornam menos urgentes.

Fim aos supersalários

Folha de S. Paulo

É bem-vinda a intenção do governo de conter as benesses do Poder Judiciário

Dados do Tesouro Nacional mostram que, em 2022, o Brasil gastou R$ 159,7 bilhões com seu sistema de Justiça. Desse total, 82,2% foram destinados a remunerações de magistrados e servidores, incluindo os do Ministério Público.

Com o montante, equivalente a 1,6% do Produto Interno Bruto, lideramos um ranking de dispêndios públicos com tribunais de Justiça entre 53 países para os quais há informações disponíveis, aí incluídos ricos e emergentes. No grupo, a média é de 0,4% do PIB.

Fica clara aí a desproporção dos ganhos do Judiciário ante a realidade brasileira —privilégios com os quais arcam os contribuintes.

É bem-vinda, nesse sentido, a intenção manifestada pela ministra Esther Dweck (Gestão), em entrevista à Rádio Eldorado, de incluir os supersalários daquele Poder em uma proposta de reforma administrativa —apesar da resistência petista ao tema.

Uma das distorções a enfrentar é a forma como se calculam os vencimentos. Uma teia de regras e resoluções do próprio setor beneficia seus profissionais.

Em dezembro de 2023, por exemplo, Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal, decidiu pela retomada do pagamento do aumento salarial automático de 5% para juízes a cada cinco anos.

Até o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, outrora um crítico dos supersalários, abriu o caminho para diversos penduricalhos em sua primeira sessão à frente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), alegando se tratar de uma equiparação a direitos dos integrantes do Ministério Público.

As manobras têm alcançado também outras carreiras do sistema. De 2019 a 2022, a conversão em dinheiro da licença-prêmio no Ministério Público da União gerou despesas de R$ 439 milhões, segundo estudo da Transparência Brasil.

A partir de dados do IBGE, a Folha mostrou que juízes têm a maior remuneração média entre 427 ocupações. Segundo o CNJ, a despesa média por magistrado foi de R$ 69,8 mil mensais em 2022.

Não se discute que profissionais qualificados com tantas responsabilidades mereçam ser bem pagos. Os valores, no entanto, precisam estar enquadrados de forma clara e transparente nos limites fixados para o serviço público no Brasil, um país já iníquo em demasia.

Liberalismo sob ataque

O Estado de S. Paulo

Democracias e instituições liberais podem estar abaladas pelo crescente poder de populistas autoritários, mas continuam sendo o melhor caminho para reconhecer conflitos e resolvê-los

A revista The Economist contabilizou nada menos que 76 países onde a população terá a oportunidade de votar neste ano, definindo 2024 como o maior ano eleitoral da história. Mais de 4 bilhões de pessoas vivem nesses países que irão às urnas, entre eleições presidenciais, como nos EUA, ou disputas municipais, como no Brasil. Segundo a publicação, em teoria, essa constatação deveria representar um ano triunfante para a democracia. Na prática, glória e perigo andam lado a lado, diante de um crescente questionamento em torno da democracia e dos valores liberais que ela representa.

Igualmente grande é o abismo que separa as democracias plenas daquelas que só são democráticas no nome. No cálculo da Economist, 43 países terão eleições livres, justas e transparentes. É o caso da Islândia, considerado o terceiro país mais democrático do mundo. Há também aqueles com eleições nada livres, como a Venezuela ou a Coreia do Norte (onde o comparecimento habitual às urnas chega a quase 100%, o que faz os norte-coreanos acreditarem, segundo uma velha piada local, que no dia da eleição ninguém morre ou fica doente). E há democracias com eleições falhas, como no exemplo norte-americano.

Observando tais números, o jornalista britânico Martin Wolf, principal comentarista econômico do jornal Financial Times, fez uma reflexão importante que merece ser examinada: a ideia central da democracia – segundo a qual os governos são responsáveis perante os governados – ainda é valorizada em grande parte do mundo, razão pela qual mais da metade da população mundial votará neste ano. O próprio Wolf, no entanto, trata de relativizar essa fortaleza democrática, apontando o crescente poder das autocracias e o triunfo do autoritarismo em muitos países. São exemplos o aumento do poder chinês, o sufocamento da democracia na Rússia de Vladimir Putin e até mesmo uma possível vitória de um redivivo Donald Trump, após sua tentativa de reverter na marra o resultado da última eleição presidencial.

O fato é que, como descreve Wolf, o que está ocorrendo no mundo não é exatamente uma perda de confiança nas eleições em si – não raro autoritários usam as eleições para consagrar seu poder. Estudiosos chamam o fenômeno de iliberalismo, um sistema em que as eleições ocorrem, líderes são eleitos democraticamente, e a democracia é dinamitada “por dentro”. Nessas democracias iliberais, não necessariamente se instala uma ditadura, mas se restringem direitos e liberdades básicos de cidadãos, além de instituições independentes se verem sistematicamente afrontadas. Nessa categoria estariam os EUA da era Trump, o Brasil de Jair Bolsonaro e a Hungria de Viktor Orbán, além de China, Rússia, Polônia e vários outros.

Se não há exatamente uma perda de confiança nas eleições, como lembrou Wolf, está-se diante de um ataque às instituições liberais, entre as quais os tribunais, as burocracias e a mídia independente. É o que ele definiu como uma perda de confiança no liberalismo, que parecia vitorioso após a queda da União Soviética, nos anos 1990. Há uma clara divisão política e ideológica no mundo, reforçada por líderes populistas e autoritários, à direita e à esquerda – aqueles que, sob o pretexto de pregar um mundo multipolar, apostam em cisões sectárias que tentam fazer reviver uma guerra fria inexistente, e no plano doméstico buscam simplificações ideológicas e convertem forças oposicionistas em inimigos a eliminar, como se conflitos de poder fossem um jogo de soma zero.

A democracia liberal, ao contrário, é tão preciosa porque, entre outras coisas, reconhece como legítimas até mesmo demandas que ela própria não pode atender. Reconhecer conflitos, valorizar a busca de soluções negociadas e pactuadas (e não à mercê da vontade de um “grande líder”), ancorar-se em princípios centrais baseados em direitos e liberdades individuais e coletivos, reforçar sistemas de pesos e contrapesos, eis a essência de um liberalismo que pode estar abalado, mas não inteiramente quebrado – para usar a feliz expressão de Wolf. Apesar das tentações autoritárias, sociedades assim são historicamente mais bem-sucedidas. Parece difícil, mas convém defendê-las.

A implicância de Lira com a burocracia

O Estado de S. Paulo

Para o presidente da Câmara, o Orçamento não pode estar à mercê de quem não foi eleito para escolher as prioridades. Mas é a burocracia que dificulta os desmandos de quem foi eleito

O discurso do presidente da Câmara na abertura do ano legislativo é matéria-prima para especialistas de diferentes ramos do conhecimento. Os cientistas políticos decerto se interessaram pelos recados de Arthur Lira ao Poder Executivo quanto ao “respeito aos acordos firmados e o cumprimento à palavra empenhada”. Aos economistas, deve ter sobressaído a defesa do papel do Legislativo na elaboração e aprovação do Orçamento (leia-se: na apropriação de recursos via emendas parlamentares). Já os juristas provavelmente repararam na implicância de Lira com o que chamou de “burocracia técnica”.

Sobre esse último ponto, o presidente da Câmara afirmou que o Orçamento não pode ser de autoria exclusiva do Poder Executivo “e muito menos de uma burocracia técnica”. Isso porque essa burocracia “não foi eleita para escolher as prioridades da nação” e “não gasta a sola de sapato percorrendo os pequenos municípios brasileiros como nós, parlamentares”. Por mais relevantes que sejam as informações obtidas e as carências constatadas pelos representantes do povo em suas bases eleitorais, o momento e o tom da intervenção de Lira sugerem que seu problema com a burocracia decorre, sobretudo, do fato de que ela é um óbice à ampliação do livre uso dos recursos orçamentários pelos deputados.

O presidente da Câmara bem sabe que o aparelho burocrático é uma consequência da expansão das funções do Estado. Essa expansão é fruto, dentre outros, de disposições e programas previstos no texto constitucional e do sufrágio universal vigente no País. Quanto mais amplo o eleitorado, mais diversificadas suas pretensões; daí o aumento das tarefas a cargo do Estado, que precisa aparelhar-se para cumpri-las.

No entanto, segundo Lira, a “burocracia técnica” não estaria autorizada a imiscuir-se nas decisões parlamentares sobre a destinação do Orçamento por lhe faltar tanto legitimidade democrática quanto conhecimento das necessidades concretas do interior do País.

De fato, o poder do burocrata não é um poder genuinamente democrático. O aparelho burocrático é uma estrutura hierárquica em que o poder não provém dos cidadãos, mas é exercido sobre eles. No mais, a democracia é o governo da opinião, não do saber técnico.

Por outro lado, é inegável que questões nacionais e mundiais da maior importância dependem de algum conhecimento e domínio técnico para poderem ser compreendidas e enfrentadas. Isso de forma alguma exclui a política, mas mostra que uma burocracia treinada e bem conduzida é indispensável à delimitação, à implementação e ao aperfeiçoamento de decisões, prioridades e projetos da própria política.

Por isso, o parlamentar que “gasta a sola do sapato percorrendo os pequenos municípios brasileiros” não necessariamente realiza a melhor alocação dos recursos orçamentários. Ressalte-se que o contrário pode ocorrer, considerando-se que, no nosso País, a destinação das emendas frequentemente decorre da vontade isolada de cada parlamentar (descoordenação), nem sempre é transparente ou conta com critérios e objetivos claros. Às vezes, dá em corrupção.

A razão mais profunda do apetite de boa parte dos congressistas pelas emendas está na ajuda que elas dão para garantir o lugar deles na legislatura seguinte. Como explicou o economista Roberto Macedo em artigo neste jornal, “prefeitos e vereadores municipais têm grande influência nos resultados das eleições estaduais e federais, dada a sua relação com os eleitores locais, em torno dos quais passam a atuar como cabos eleitorais”. Aí “entram as emendas, pois os parlamentares procuram destiná-las às suas bases eleitorais, cativando prefeitos e vereadores em busca de apoio para reeleição. Garantidas as emendas, os candidatos incumbentes (...) passam a alardear o seu papel, à cata de votos futuros” (Problema das emendas parlamentares se agravou, 4/1/24).

Combater esses usos ora desmesurados, ora desvirtuados do poder político é uma das principais tarefas de uma burocracia dedicada a estruturar e implementar da maneira mais eficaz os comandos e objetivos legais. Talvez venha daí a implicância de Lira.

Precatório deveria ser exceção

O Estado de S. Paulo

Estarrece o desconhecimento do governo sobre as causas do aumento da dívida judicial

Precatório deveria ser exceção. De tão óbvia, essa recente declaração do secretário executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento, Gustavo Guimarães, torna espantosa a constatação de que só agora parece que o governo federal resolveu se dedicar a avaliar as causas do crescimento vertiginoso de ações de contribuintes contra a União ganhas na Justiça.

Não restam dúvidas de que os indícios apontam para erros na formulação de políticas públicas, como sugeriu o secretário. Até porque são o resultado de débitos pulverizados, principalmente envolvendo o pagamento de benefícios da Previdência Social e passivos trabalhistas. O que surpreende é que esses erros tenham se repetido, como se estivessem passando despercebidos.

É estarrecedor, para dizer o mínimo, que foi necessária uma década de recorrentes aumentos na cifra bilionária dos precatórios para fazer o governo acordar e decidir investigar os motivos. Em 2014, esses pagamentos correspondiam a 1,9% da despesa primária da União; agora já equivalem a 3,3%.

Como uma determinação formal e constitucional da Justiça para que seja paga uma dívida da Fazenda pública, o precatório é a certificação de que algo de errado ocorreu em determinados procedimentos, durante a relação entre o ente público e cidadãos ou empresas, com prejuízo para estes últimos. Por óbvio, casos assim deveriam ser excepcionais, um deslize, um desvio de rota.

Mas, se fosse assim, precatórios não teriam recebido o apelido de “meteoro”. O termo, cunhado em 2021 pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes, dá a ideia do impacto que o pagamento desses débitos, para os quais não cabe mais nenhum recurso, tem nas contas públicas.

Naquele ano, quando foi criada a vergonhosa PEC do Calote para empurrar a dívida para a frente, o “meteoro” era de R$ 89 bilhões. No ano passado, quando foi aberto crédito extraordinário para pagamento, seu volume havia passado para R$ 93,1 bilhões.

Não é o que se pode chamar de um montante desprezível. O interesse anunciado agora em verificar como o “meteoro” foi formado é, de fato, uma boa notícia. Mas a lentidão como são tratados problemas tão evidentes impressiona pelo descaso com o dinheiro público. Ao Estadão, o secretário Guimarães enumerou os diversos órgãos do governo que participarão da análise dos dados para o mapeamento que vai mostrar se as normas precisam ser alteradas para evitar tantos prejuízos aos cofres públicos.

Roga-se que, ao final, mudanças de leis ou normas sejam efetivamente para melhorar processos e não exclusivamente para reduzir direitos de quem busca o ressarcimento. Precatório não é empréstimo. É o pagamento de uma dívida judicial que normalmente percorre um longo período desde o pedido até a decisão em última instância. A incidência de juros sobre o valor pedido é, portanto, uma correção devida pelas perdas.

Se forem detectadas fraudes, que sejam punidos os fraudadores. Se forem verificados erros de planejamento de políticas públicas, que sejam reformuladas. Mas que não se usem artifícios jurídicos para negar direitos adquiridos.

Pelos bons números do carnaval

Correio Braziliense

No DF, foram pouco mais de 40 ocorrências policiais sem gravidade. Em Minas Gerais, chamou a atenção a queda de casos de assédio às muheres

 O país pode até parar durante o carnaval, com as pessoas curtindo a folia nas ruas, mas a economia segue se movimentando — e muito. Somente as maiores festas de cinco estados brasileiros – Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco — devem girar cerca de R$ 25 bilhões, injetados nas economias locais, montante superior ao de 2023.

Apenas na Bahia, a estimativa é de R$ 6,6 bilhões, o que mostra a força e a tradição dos trios elétricos e blocos de rua. Em São Paulo, são R$ 5,7 bilhões, incluindo o desfile das escolas de samba no Anhembi. Na sequência, vem Minas Gerais (R$ 5,2 bilhões), à frente do Rio de Janeiro e seus desfiles na Sapucaí (R$ 4,5 bilhões). Já em Pernambuco a previsão é de que o carnaval movimente R$ 3 bilhões, segundo levantamento do site Poder360. Minas Gerais apresenta o maior crescimento de faturamento, com injeção de R$ 1 bilhão a mais do que no ano passado.

Fato é que a festa tem o poder de turbinar a alegria e os ganhos. O Distrito Federal terá até amanhã quase 60 agremiações — para adultos e crianças — em quatro dias de folia. Maceió tomou uma decisão diferente: preferiu investir no pré-carnaval, ou seja, uma semana antes, para que nos dias de carnaval recebesse apenas turistas que vão à cidade por suas belas praias.

Outros números que merecem ser destacados (pelo menos por enquanto) dizem respeito ao comportamento do folião e à segurança nos dois primeiros dias da festa. A importunação sexual e o assédio sofrido durante e ao longo dos blocos de carnaval caíram drasticamente em Minas. Segundo a Polícia Militar do estado, foram 61,11% menos ocorrências do que em 2023.

Em São Paulo, a polícia conseguiu resgatar 55 celulares até a noite de sábado e um homem de 19 anos foi detido com 71 cartões bancários. No Distrito Federal, foram pouco mais de 40 ocorrências até a manhã de ontem, todas sem gravidade. Campanhas contra o assédio sexual, violência de gênero, videomonitoramento e o uso de drones e helicópteros têm ajudado bastante os órgãos que cuidam da segurança nos estados.

Ainda que em menor número, por outro lado, a imprensa noticiou casos como em Pernambuco que, na sexta-feira à noite, havia registrado dois casos graves: em Olinda, um sargento do Exército teria reagido a uma tentativa de assalto, baleando dois suspeitos, e, no Centro de Recife, um turista teria levado uma facada no peito, também em tentativa de assalto. Em São Vicente, na Baixada Santista (SP), a Secretaria de Turismo, em comum acordo com a Secretaria de Segurança Pública, preferiu cancelar o carnaval, depois que uma onda de violência registrada às vésperas da folia.

Bem ou mal, são números sobre os quais autoridades e pesquisadores devem se debruçar depois que o país voltar à normalidade. Que os dados positivos perdurem e multipliquem, para que, no balanço final, os brasileiros tenham curtido, de modo geral, um carnaval mais seguro e que reverta receitas para as cidades e seus moradores.


 

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