sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Retrocesso na PM de São Paulo deve preocupar o país

O Globo

Outrora exemplo para resto do Brasil, corporação paulista sofre reviravolta que traz risco a políticas de sucesso

Num momento em que o Brasil enfrenta crise na segurança pública, a Polícia Militar de São Paulo — outrora exemplo para o país — vive dias turbulentos, dentro e fora dos quartéis. Nesta semana, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) exonerou, com uma só canetada, o subcomandante da PM e trocou mais da metade dos coronéis da cúpula da corporação. As decisões causaram insatisfação na tropa e foram vistas como reflexo da interferência política do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite (PL-SP).

É certo que mudanças na PM, explicadas oficialmente por “conveniência de serviço”, podem até se justificar tecnicamente. Mas reviravoltas dessa natureza trazem risco enorme para uma corporação que se profissionalizou nas últimas décadas, especialmente depois do Massacre do Carandiru, em 1992, com resultados incontestáveis.

Os índices de segurança de São Paulo estão há muitos anos descolados do resto do Brasil. Em 2022, o estado registrou 8,4 mortes violentas por 100 mil habitantes, número sem paralelo em nenhuma outra unidade da Federação (Santa Catarina é a que mais se aproxima, com 9,1). Para efeito de comparação, a taxa no Brasil é 23,4. Na Bahia, 47,1. No Rio de Janeiro, 27,9.

A conquista paulista foi obtida ao longo de mais de duas décadas — em 1999, os homicídios passavam de 44 por 100 mil. Um fator crítico para ela foi a transformação, ainda que imperfeita, da polícia numa corporação preocupada em obter resultados contra o crime com base em inteligência e evidências —e não mais em distribuir tiros a esmo, acreditando que violência indiscriminada contra bandidos ou operações de vingança a cada policial morto sejam políticas eficazes.

Desde o ano passado, há sinais de recuo na PM paulista. Chama a atenção a alta na letalidade policial. A Operação Verão, na Baixada Santista, já deixou ao menos 32 mortos. Ela foi deflagrada no início do mês depois do assassinato de um soldado da Rota, unidade de elite. Evidentemente, o ataque — gravado pela câmera no uniforme do policial — foi um ato bárbaro, que exige resposta do Estado. Mas não se pode combater violência com mais violência. A Operação Escudo, realizada no ano passado também depois da morte de um PM da Rota, já deixara 28 mortos.

A atual gestão paulista ameaça abandonar práticas bem-sucedidas, como as câmeras nas fardas dos agentes, que enfrentam inexplicável resistência do atual governo. Entre 2019 e 2022, o uso delas contribuiu para reduzir a letalidade policial em 76,2% (nos quartéis onde não foram adotadas, a queda foi de apenas 33,3%). O equipamento protege o agente de acusações falsas e dá mais transparência às operações, uma vez que as imagens ficam guardadas e podem ser usadas em investigações. Tarcísio afirmou que cumprirá os contratos existentes, mas não investirá novos recursos. Para ele, o equipamento não tem eficácia, embora as evidências científicas mostrem o contrário.

A insegurança acua a população mesmo nos estados mais equipados e preparados. Facções criminosas estão em toda parte, mas em particular nos presídios paulistas, comandados pela maior delas, o PCC. Por isso a criminalidade precisa ser combatida com base em evidências e critérios técnicos. A PM de São Paulo, tida como exemplar, não pode sofrer retrocessos ao sabor de inclinações políticas. Quem padecerá os efeitos de tal equívoco é a população.

Alta nos casos de Covid em meio à epidemia de dengue desafia governo

O Globo

Vacinação e combate a focos do mosquito são principais medidas para evitar sobrecarga na rede de saúde

O boletim InfoGripe, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), detectou aumento de casos de Covid-19 na região Centro-Sul do país entre 4 e 10 de fevereiro (no Norte, houve queda). Estados como São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro registraram mais internações pela doença, hoje controlada no Brasil. Era um cenário esperado, devido aos desfiles que começaram mesmo antes do carnaval, e não há motivo para pânico. A vacina, disponível nos postos de saúde, é a melhor forma de prevenir a doença.

O mais preocupante é que diferentes regiões do país vivem hoje uma outra emergência — a dengue. Nas áreas de maior incidência, a alta simultânea nos casos de Covid-19 e dengue — que apresentam sintomas parecidos — pode sobrecarregar ainda mais as redes pública e particular de saúde.

Ontem o Ministério da Saúde registrava 740.942 casos de dengue e 151 mortes (outras 501 estão sob investigação) neste ano. Os infectados mais que quadruplicaram em relação ao mesmo período em 2023. As maiores incidências são observadas no Distrito Federal, em Minas Gerais, no Acre, no Paraná e em Goiás. Pelas projeções do ministério, o Brasil atingirá neste ano 4,2 milhões de infectados, mais que o dobro do recorde de 2015 (1,6 milhão).

Até agora, decretaram situação de emergência o Distrito Federal, os estados de Goiás, Minas, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Espírito Santo, Acre e as capitais Rio, Florianópolis e Belo Horizonte. A medida reduz a burocracia e permite maior agilidade nas ações de combate à doença e no atendimento à população. Nesses casos, agentes de saúde podem entrar em imóveis vazios ou abandonados sem autorização prévia para eliminar os focos do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue.

Contra a dengue, as autoridades de saúde ainda não podem contar com a vacinação maciça. Embora já exista uma vacina que protege contra os quatro tipos da doença, a farmacêutica japonesa Takeda só poderá entregar 6,5 milhões de doses neste ano, quantidade insuficiente para a demanda. A campanha de vacinação está em curso, mas, devido à escassez, é destinada apenas à faixa etária dos pré-adolescentes nas regiões de maior incidência.

Não há motivo para sobrecarregar as redes de saúde com pacientes de Covid-19. Basta que a população siga o esquema de vacinas recomendado pelo Ministério da Saúde, inclusive as doses de reforço. Elas são seguras e eficazes, como ficou provado no controle da pandemia. Quanto à dengue, o governo falhou nas ações necessárias para deter o avanço da doença. Agora que ela transborda, o mais urgente é combater os focos do mosquito — tarefa em que a população tem papel fundamental, já que 75% dos insetos estão em residências. Também é importante aumentar os postos de atendimento e oferecer leitos nos hospitais para os casos graves. Quanto mais ágil for o atendimento, maiores as chances de evitar mortes.

Guerra da Ucrânia entra no 3º ano longe de um desfecho

Valor Econômico

Com a perspectiva de que o conflito se estenderá, o Ocidente precisa repensar como lidar com a Rússia e refletir, para além do conflito, sobre qual recado será enviado ao mundo se Putin triunfar

O mundo foi surpreendido em 24 de fevereiro de 2022 com a decisão de Vladimir Putin de lançar um injustificado ataque de larga escala contra a Ucrânia. Na véspera de completar dois anos, o conflito parece longe de um desfecho e sem uma solução negociada à vista. Sem grandes avanços no campo de batalha, a Rússia agora aposta no front político e na divisão do Ocidente para virar a maré da guerra.

A avaliação de que Kiev seria tomada em poucos dias, o que daria a Putin a chance de forçar uma rápida rendição do governo de Volodymyr Zelensky, se mostrou equivocada graças à bravura dos ucranianos e o apoio sem precedentes do Ocidente. Ao contrário do que se imaginava, a Rússia obteve poucas conquistas militares relevantes desde a invasão e se viu obrigada a recuar em parte dos territórios que chegou a dominar, após uma contraofensiva lançada pela Ucrânia no ano passado.

A situação pouco mudou neste aniversário do segundo ano de conflito. Com as incontáveis perdas humanas e militares desde então, nenhum dos dois lados tem força suficiente para mudar o destino da guerra no curto prazo, segundo analistas. Com isso, está em curso uma reavaliação de estratégias para o futuro. Os ucranianos passaram a adotar uma “defesa ativa”, lógica que permite reconstituir e reequipar suas forças, sem deixar de lançar ataques de alto perfil dentro da própria Rússia e nos territórios ocupados. Já Moscou acelera a produção de sua indústria bélica e corre para incorporar novas tecnologias ao conflito. Sinal disso foi o lançamento do míssil hipersônico Zircon, capaz de superar os sistemas de defesa mais avançados, como o americano Patriot, disponibilizado à Ucrânia pelo governo Joe Biden.

Ao entrar no terceiro ano, o front político deve ganhar protagonismo. A sequência da resistência ucraniana depende dos humores eleitorais nos Estados Unidos, que elegem um novo presidente este ano, e na Europa, que vota a composição do novo Parlamento Europeu. Com muitos céticos em relação a uma vitória definitiva da Ucrânia, cresce a visão de que os pacotes de ajuda a Kiev são um desperdício de dinheiro. A “fadiga da guerra” é explorada por grupos de extrema direita, simpatizantes do autoritarismo de Putin, e atrapalha a liberação de mais recursos.

Visto como principal aliado de Putin entre os líderes europeus, Viktor Orbán, o premiê da Hungria, fez jogo duro antes de ceder na votação da última rodada de ajuda à Ucrânia, de €50 bilhões, enquanto buscava liberação de fundos bloqueados por afrontar os padrões democráticos do bloco. Nos EUA, o Senado aprovou um novo pacote de apoio de US$ 61 bilhões, mas a tramitação na Câmara dos Deputados ameaça ser muito mais conturbada graças a Donald Trump. O virtual candidato do Partido Republicano à Casa Branca vem pressionando correligionários a rejeitá-lo e, recentemente, chocou o Ocidente com uma ameaça de não proteger os membros da Otan em caso de uma invasão promovida pela Rússia, em um ataque ao pilar que sustenta a aliança militar.

A eventual perda do apoio americano seria um desastre para o esforço de guerra da Ucrânia, que atualmente investe metade de seu orçamento na defesa contra a Rússia e já enfrenta grandes dificuldades, como a falta de munição. Segundo relatório do Instituto para a Economia Mundial de Kiel (Alemanha), a União Europeia precisaria dobrar a ajuda a Kiev para compensar a lacuna aberta por Washington. Desde a invasão até janeiro deste ano, juntos, europeus e americanos desembolsaram €155,3 bilhões em apoio militar, financeiro e humanitário à Ucrânia.

Putin sabe que o veredicto das urnas dos dois lados do Atlântico, especialmente nos EUA, será crucial para o futuro da guerra e que talvez possa conquistar politicamente as vitórias que não conseguiu no campo de batalha. Em entrevista a Tucker Carlson, ex-âncora da Fox escolhido a dedo para a ocasião por ter grande audiência entre eleitores trumpistas, o líder russo falou diretamente aos republicanos, dizendo que o Congresso americano deve primeiro lidar com problemas domésticos, como a imigração -- uma das bandeiras de Trump -, antes de aprovar um novo pacote de ajuda à Ucrânia. Também propôs a Washington um acordo para encerrar a guerra em que a Ucrânia cederia territórios à Rússia, uma linha vermelha que Kiev não está disposta a cruzar.

Com a perspectiva de que o conflito se estenderá, o Ocidente precisa repensar como lidar com a Rússia e refletir, para além do conflito, sobre qual recado será enviado ao mundo se Putin triunfar. As sanções comerciais impostas desde o início da invasão, embora tenham reduzido as receitas e prejudicado a economia russa, não surtiram o efeito desejado. Vários países seguem comprando petróleo e outros produtos de Moscou, alimentando a máquina de guerra. O Kremlin também se aproveitou do momento de disputa geopolítica entre EUA e China para se alinhar à esfera de influência de Pequim, que pode se sentir mais disposta a agir contra Taiwan se a Ucrânia for derrotada.

É preciso também um esforço diplomático para convencer países que se mantiveram neutros, como o próprio Brasil, a repensarem suas posições em relação à Rússia. A morte em condições no mínimo duvidosas do opositor Alexei Navalny e a intenção de que a guerra continue até que a Ucrânia seja subjugada mostram que Putin está cada vez mais distante de valores que o Palácio do Planalto diz defender.

É Lula quem responde por yanomamis agora

Folha de S. Paulo

Mesmo que tenha havido subnotificação anterior, mortes de indígenas em 2023 põem em xeque efetividade de ações na região

Uma das primeiras ações de grande visibilidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em janeiro do ano passado, foi a operação deflagrada para enfrentar a emergência de saúde na Terra Indígena Yanomami. Dados recém-noticiados, porém, põem em xeque a efetividade das medidas adotadas.

Descobriu-se que houve 363 mortes de yanomamis e outras etnias presentes no território em 2023. A cifra macabra —que ultrapassa as de 2022 (343) e de anos anteriores sob Jair Bolsonaro (PL)— veio à tona após uma reportagem da revista Oeste, que se valeu da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Autoridades de saúde dizem considerar inadequada uma comparação direta das estatísticas, e superficial a conclusão de que a situação piorou —haveria, apontam, uma subnotificação de casos e mortes no período anterior.

Por esse raciocínio, operam hoje naquela região 40% mais equipes de saúde. Casos e vítimas que passaram ou passariam despercebidos terminaram registrados, inflando o cômputo. A tese pode ser plausível, mas o governo continua tendo muito a explicar.

O garimpo ilegal de ouro e cassiterita, principal motor da tragédia yanomami, recrudesceu antes mesmo de completar-se um ano das iniciativas de Brasília.

Estima-se que continuem em ação no território cerca de 3.000 garimpeiros. Bem menos que os 20 mil antes da troca de governo, mas o suficiente para dificultar ou impedir de vez a ação de agentes de fiscalização ambiental e atenção de saúde em áreas mais remotas, como Surucucu e Auaris.

A presença de invasores e a devastação de florestas e igarapés favorecem a proliferação de malária. Já desnutridas pela falta de assistência, crianças indígenas vão sucumbindo a doenças antes que se cumpra sua remoção para centros de tratamento adequados.

Segundo apuração deste jornal, as Forças Armadas passaram a encolher o apoio logístico a equipes do Ibama e do Ministério da Saúde. A desativação de um entreposto de combustível na região do Palimiú, por exemplo, impediu helicópteros do Ibama de alcançar Auaris, na fronteira com a Venezuela.

A presença efetiva do Estado num território tão vasto quanto o dos yanomamis, do tamanho de Portugal, não é empreendimento trivial. Os retrocessos que ora se constatam são evidências de que o planejamento do combate ao garimpo e da atenção de saúde, ali, carece de coordenação e sustentação.

Não há dúvida de que Bolsonaro tratou o tema com descaso, se não hostilidade. Agora, entretanto, enfrentar esse déficit civilizacional é responsabilidade de Lula.

PM sangrenta

Folha de S. Paulo

Em meio a mudança na cúpula, ação em SP mancha trajetória de queda da letalidade

Em apenas 18 dias, 31 pessoas foram mortas em supostos confrontos com a Polícia Militar de São Paulo. Esse foi o resultado aterrador, contabilizado até quarta (21), da Operação Verão, deflagrada no dia 3 na Baixada Santista.

Trata-se da segunda ação mais mortífera da corporação paulista, superada apenas pelo massacre do Carandiru em 1992, que vitimou 111 presos. Outra operação recente fica em terceiro lugar. Nos 40 dias da Operação Escudo, realizada entre julho e setembro de 2023 na mesma região, foram 28 mortos.

Assim como na ação do ano passado, reportagem da Folha ouviu relatos de moradores que indicariam possíveis abusos de força.

Dado os números exorbitantes, a Operação Verão precisa ser monitorada pela Corregedoria da PM e pelo Ministério Público —que encontrou violações na ação de 2023.

As duas mancham a trajetória paulista de queda da letalidade policial, em parte impulsionada pela implantação de câmeras nas fardas dos agentes.

Entre junho e dezembro de 2020, foram 110 mortes em ações dos 18 batalhões que utilizavam a tecnologia. Já no mesmo período de 2021, foram só 17 —queda de 85%.

Segundo levantamento de dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020 o estado registrou 659 mortes em intervenções policiais. Em 2021, foram 423; em 2022, 256. Contudo, no primeiro ano de gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), o número subiu para 353.

A letalidade torna-se tema ainda mais preocupante diante da recente reformulação na cúpula da PM, implementada por Guilherme Derrite, secretário de Segurança.

O coronel José Alexander Freixo, sub-comandante da corporoação, foi exonerado na quarta (21). Freixo era conhecido pela defesa das câmeras e por suas críticas às operações na Baixada Santista.

Trata-se de violência e balbúrdia demasiadas para tão pouco tempo de governo —e, pelo que se noticia, há risco de crise grave na PM paulista. Tarcísio deveria reavaliar as consequências de ceder ao obscurantismo truculento na gestão de uma área tão vital.

Só falta combinar com os companheiros

O Estado de S. Paulo

Alckmin diz que o País precisa reduzir o custo Brasil e melhorar a produtividade aprofundando reformas – as mesmas às quais o PT sempre se opôs e tenta, quando pode, reverter

“O Brasil ficou caro antes de ficar rico”, constatou o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, em reunião na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. “É um país caro, e é caro exportar, tem dificuldade para exportar, a não ser produto primário. Tem de reduzir o Custo Brasil, melhorar a produtividade e a competitividade. Não tem bala de prata. É fazer a lição todo dia: reforma trabalhista, tributária, previdenciária, administrativa.”

Com efeito, segundo levantamento do Movimento Brasil Competitivo, em comparação com a média de custos dos países da OCDE – um grupo das democracias ricas –, as empresas brasileiras desembolsam todos os anos, em despesas adicionais, algo em torno de R$ 1,7 trilhão, cerca de 20% do PIB. As causas são várias: mão de obra pouco qualificada, excesso de encargos trabalhistas, tributação complexa e onerosa, infraestrutura precária, crédito escasso e caro, complexidade regulatória e insegurança jurídica.

Muita coisa foi feita nos últimos anos. A reforma da Previdência aliviou a pressão fiscal e reduziu a discriminação entre servidores públicos e trabalhadores privados. O marco do saneamento está viabilizando investimentos privados. A autonomia do Banco Central foi um avanço no controle da inflação. A reforma trabalhista colaborou com a queda no desemprego. A reforma tributária, ainda que desfigurada e desidratada, eliminará distorções competitivas e simplificará procedimentos custosos. O elemento comum dessas reformas foi reduzir o peso e as arbitrariedades do Estado que freavam o potencial de crescimento e perpetuavam desigualdades de renda e de oportunidades.

Além de aprofundar essas reformas, outras medidas nesse sentido seriam importantes para aliviar o custo Brasil, como a redução de tarifas de máquinas e insumos ou mais privatizações para acabar com feudos políticos. É a “lição de casa de todo dia” a que Alckmin se refere. Só tem um problema: faltou combinar com os companheiros.

Como se sabe, o lulopetismo foi ferrenho opositor de medidas como essas, da autonomia do BC e do marco do saneamento às reformas trabalhista e da Previdência. Se a atual gestão não as revogou, não foi por falta de vontade, e sim de base parlamentar. Mas brechas foram abertas aqui e ali, muitas vezes com a ajuda de uma caneta companheira no Judiciário, como a flexibilização das regras que restringiam indicações políticas a cargos em autarquias e empresas estatais ou de economia mista. Agora mesmo o governo tenta reverter na Justiça a privatização da Eletrobras, e busca interferir nela e noutras empresas privadas nas quais tem participação, como a Vale. A política de preços da Petrobras voltou a ser opaca, e a intenção de utilizá-la como instrumento de políticas públicas é manifesta. Sobre a segurança jurídica, a lição de casa ficou para as calendas.

De quando em vez um ministro ou secretário faz jogo de cena anunciando “estudos” para uma reforma administrativa, mas quem se lembra da última vez em que o presidente da República tocou no assunto?

Ao invés de reformas, o governo anuncia com fanfarra “novas” políticas industriais com toda sorte de estímulos de curto prazo, isenções, subsídios e reservas de mercado que fazem grupos de pressão oligopolistas salivarem.

Quanto à redução dos juros, a principal política do governo é demonizar o Banco Central. No mais, flerta com o desrespeito às metas fiscais que ele mesmo estabeleceu e contrata despesas permanentes com receitas provisórias.

“O único item para controlar a inflação são os juros. Não pode ser assim. Tem de ter melhor política fiscal”, disse Alckmin – em 2005. À época, ele recriminou o “modo petista de governar” por arrecadar muito e gastar mal – “é o custo PT” –, deixando no ar uma pergunta retórica que continua a ecoar: “Qual medida o governo tomou para fechar a torneira do desperdício de dinheiro público?”. Será que, em 2024, o neossocialista Geraldo Alckmin, alçado a vicepresidente e ministro do Desenvolvimento do governo lulopetista, tem uma resposta?

Fracasso na terra yanomami

O Estado de S. Paulo

Embora o governo Lula tente transferir a culpa pelo problema, não há justificativa aceitável para que a crise humanitária que atinge o povo yanomami esteja maior do que um ano atrás

O Ministério da Saúde registrou 363 mortes de indígenas yanomamis em 2023, numa quantidade de óbitos superior ao número oficial do ano anterior, quando foram apontadas 343 mortes. A divulgação foi acompanhada por três relativizações: técnicos do ministério alegam que os números na gestão de Jair Bolsonaro estavam subnotificados; o governo ainda credita parte das deficiências atuais à herança deixada pelo antecessor; e um inquérito em curso pode vir a identificar mortes e doenças não notificadas em anos anteriores e corrigir dissonâncias. Com ou sem tais ressalvas, o número divulgado agora reafirma uma certeza já deixada em janeiro, quando a tragédia humanitária dos yanomamis completou um ano: o governo Lula fracassou até agora na tentativa de salvar os indígenas da emergência sanitária. E, mais grave, não há qualquer indício de que os erros cometidos até aqui estejam sendo corrigidos de fato.

Ao apagão na estatística e no combate aos crimes ambientais do governo anterior, a gestão de Lula respondeu com apagão de eficiência. Não há justificativa aceitável para que a crise humanitária que atinge o povo yanomami esteja maior, e não menor, do que um ano atrás – mesmo que se reconheçam os limites de uma resposta de curto prazo a anos acumulados de problemas naquela região, que envolve o envenenamento das águas e do solo, a intoxicação de pessoas, a propagação da malária, a proliferação de casos crônicos de desnutrição e as invasões e assassinatos promovidos por criminosos vinculados ao garimpo ilegal, que fez aumentar os índices de violência, degradação ambiental e doenças por contaminação do mercúrio nos rios. Sua solução exigiria muito mais.

Em janeiro de 2023, poucos dias depois de tomar posse como presidente, Lula da Silva foi surpreendido com a notícia daquilo que organizações já alertavam havia uma década: os yanomamis sofriam com desassistência sanitária, malária, pneumonia, desnutrição severa, doenças sexualmente transmissíveis e mortes, resultado de anos e anos de interferência indevida de não indígenas em seu território, localizado entre os Estados de Roraima e Amazonas, e no sul da Venezuela. Tudo isso agravado por um local de difícil acesso e pelo abandono do Estado numa terra dominada pelo ecossistema de crimes ambientais.

À época, foi decretada emergência em saúde pública e montou-se uma força-tarefa envolvendo seis ministérios, as Forças Armadas e a Polícia Federal, além de órgãos como a Funai, o Ibama e a Secretaria Especial de Saúde Indígena. Seguindo o DNA palanqueiro do lulopetismo, o presidente não hesitou em apontar culpados externos do passado e fazer promessas de redenção para o futuro próximo. Há cerca de um mês, no aniversário do primeiro ano da crise, Lula da Silva reafirmou intenções, enviou uma equipe de ministros ao local e apresentou denúncias como se estivesse iniciando a tarefa.

O tamanho da tragédia em curso, porém, não aceita a conjugação entre oportunismo político e soberba. A soma de equívocos do governo começou com a ausência de uma instância de coordenação das ações emergenciais com real poder sobre as diferentes pastas e órgãos envolvidos no trabalho. Também faltou estudo logístico eficiente para planejar o envio de insumos e profissionais de saúde, e milhões de reais foram consumidos em cestas básicas lançadas sobre aldeias e clareiras sem muito critério. O resultado se vê nos números e na tentativa de transferência de culpa e responsabilidade. O esvaziado Ministério dos Povos Indígenas, por exemplo, divulgou em janeiro uma resolução na qual culpa a “negligência” do Ministério da Defesa pela situação dos yanomamis. Também afirmou que o problema é o garimpo ilegal, e não mais a fome. Já militares têm evitado responder, ao mesmo tempo que são acusados de omissão na segurança diante da proliferação do garimpo ilegal.

A conta tem sido paga com a vida e com os direitos mais elementares dos indígenas, historicamente tratados como cidadãos de segunda classe. Uma trágica ironia para aqueles cujo nome, na origem, segundo a expressão yanõmami thëpë, significa “seres humanos”.

O Estado de S. Paulo

O impacto da cautela do Fed

Força do mercado de trabalho e resiliência da inflação nos EUA podem afetar taxas de juros no Brasil

A ata da última reunião de política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) deixou claro que a instituição não tem pressa para reduzir os juros norte-americanos. Atualmente na faixa entre 5,25% e 5,50% ao ano, nível mais alto dos últimos 22 anos, os membros da instituição avaliam que ainda não há confiança suficiente de que a inflação esteja caminhando para a meta de 2%.

A avaliação sobre a evolução de alguns dos principais indicadores acompanhados pela autoridade monetária norte-americana veio acompanhada de conjunções adversativas: o ritmo de geração de empregos está mais moderado, mas continua forte; a inflação desacelerou, mas segue elevada; os diretores consideram que os riscos inflacionários têm diminuído, mas alguns veem risco de que o processo desinflacionário tenha estagnado.

De positivo, os dirigentes do Fed consideraram que os juros provavelmente tenham atingido o pico do atual ciclo de aperto. Porém, muitos indicadores divulgados após a reunião dos dias 30 e 31 de janeiro mostram que o receio do Fed não é desarrazoado.

Os pedidos de seguro-desemprego vieram abaixo das estimativas do mercado, o que explica a resiliência dos gastos do consumidor. Os núcleos da inflação de janeiro, por sua vez, mostraram mais resiliência que o esperado, muito puxados pelos serviços.

Fato é que a economia norte-americana está rodando a níveis mais elevados do que se imaginava, o que reforçou as expectativas de que os juros só devem começar a cair em junho. Questionada sobre quando o corte deve ser iniciado, a diretora do Fed Michelle Bowman afirmou, em um evento em Washington, que “certamente não é agora”.

Isso não interrompe o ciclo de cortes de juros que está em marcha no Brasil, mas certamente influencia seu ritmo e sua linha de chegada. O Banco Central (BC) tampouco tem pressa para reduzir a Selic, e instituições financeiras que esperam que ela chegue a 8,5% ao fim deste ano, como a Bradesco Asset Management, admitem que tal projeção depende de o Fed iniciar o afrouxamento monetário em maio.

Assim como no exterior, a dinâmica do setor de serviços no Brasil ainda preocupa o BC e parece puxar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). O mercado continua cético quanto às chances de o governo conseguir zerar o déficit fiscal neste ano. O Executivo continua a apostar todas as suas fichas na recuperação de receitas para atingir a meta, ao mesmo tempo que a pressão por ampliar gastos públicos em ano de eleições municipais tende a aumentar.

Seja em maio ou em junho, o início do corte de juros norte-americanos pode favorecer a entrada de investidores interessados em retornos mais elevados, mas o País ainda terá de enfrentar suas vulnerabilidades internas para se mostrar atrativo, sobretudo para o capital de médio e longo prazos.

Como argumentou o Boletim Macro da Fundação Getulio Vargas (FGV), o comportamento dos bancos centrais nas economias desenvolvidas, sobretudo a norte-americana, influencia diretamente os preços dos ativos nos países emergentes, como o Brasil. Talvez, portanto, seja hora de dosar o otimismo.

O Pix e outros meios de pagamento

Correio Braziliense

De janeiro a novembro de 2023, nada menos que 143 milhões de brasileiros (pessoas físicas) estavam cadastrados no Pix, chegando a um recorde de R$ 15,3 trilhões movimentados no acumulado do ano

Ninguém pode negar que, em apenas três anos de existência, o Pix se tornou o maior sucesso da história dos meios de pagamentos do Brasil. Quem imaginou que pessoas de todas as classes sociais (ou quase todas) se curvariam à facilidade de dar alguns poucos cliques para transferir dinheiro de uma conta para outra?

De acordo com a Associação das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), os próximos anos serão de crescimento em se tratando de transações financeiras e, consequentemente, de cartões de crédito, débito e pré-pagos, com destaque para esse último. Os números mais recentes (2022) mostram um aumento de 7,4% em operações de cartões de débito, 29,5% em cartões de crédito e um crescimento surpreendente de mais de 94% dos pré-pagos.

De janeiro a novembro de 2023, nada menos que 143 milhões de brasileiros (pessoas físicas) estavam cadastrados no Pix, chegando a um recorde de R$ 15,3 trilhões movimentados no acumulado do ano. Essa quantia assombrosa foi três vezes maior que o valor movimentado em 2021 (R$ 5,2 trilhões) e 40% maior que os quase R$ 11 trilhões de 2022.

Quem também se beneficiou com o sucesso do Pix foram as instituições de pagamentos, que obtiveram um crescimento próximo a 25%. Até o momento, o Banco Central tem 111 na lista de autorizadas, sendo que 23 operam diretamente com o Pix. A expectativa dos especialistas é que esse contingente cresça tanto no que se refere a parceiros diretos como indiretos.

Para este ano, estão previstas novas alterações com relação à automatização dos processos. O Pix Automático, que estava sendo aguardado para o segundo semestre do ano passado, deveria ser lançado em maio, mas o Banco Central, pelo menos por enquanto, confirmou somente para outubro. O que se espera é que a novidade facilite pagamentos recorrentes, de forma programada e segura, desde que com autorização prévia do pagador. A ferramenta promete permitir o agendamento de contas de luz, condomínio, escola, água, plano de saúde e outras despesas que chegam às nossas casas todos os meses.

As facilidades são muitas, mas as desconfianças também. Apesar de o Banco Central ter implementado mecanismos de segurança para validação e finalização das transações via Pix, muita gente prefere continuar com meios de pagamento tradicionais. Como todo cuidado é pouco, vale manter o alerta para não cair em golpes. Levantamento da fintech de proteção financeira Silverguard aponta que quatro em cada 10 brasileiros já foram vítimas de alguma tentativa de fraude com o Pix. Desses, um em cada cinco caiu no golpe.

A Serasa lista pelo menos quatro situações que culminam com prejuízo para o titular da conta, desde a clonagem de Whatsapp, com a falsificação de cadastro, atendimento bancário falso e bug do PIX até QR Code fraudado. A empresa destaca que "os aplicativos estão cada vez mais simples de usar e os usuários, mais desatentos". Antes de clicar para confirmar uma operação, é preciso conferir todos os dados. A comodidade pode custar caro demais.

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