O Globo
Novo ministro será um reforço à ala
‘antigolpe’ do STF, que tem referendado decisões de Moraes e deve se manter
monolitica por bastante tempo
Foi-se o tempo em que era possível traçar uma
risca de giz no chão do plenário do Supremo Tribunal Federal e separar os
ministros chamados garantistas dos punitivistas — que, no intervalo entre 2014
e 2019, também ganharam a alcunha de lavajatistas.
O declínio da Lava-Jato, que coincidiu com os
anos Jair Bolsonaro, em que o STF foi instado a agir como barreira de contenção
não apenas em relação ao golpismo eleitoral, já na reta final, mas também em
questões ambientais, sanitárias e direitos dos povos indígenas, entre outros,
tornou essa distinção superada, para usar um adjetivo caro aos magistrados em
seus debates no plenário.
A necessidade de impor ao Executivo limites que não eram dados pela Procuradoria-Geral da República, na maior parte do período sob o comando de Augusto Aras, ou pelo Congresso, cooptado à base de orçamento secreto, fez sumirem arestas antigas entre integrantes dos dois blocos antes vigentes e surgirem novas alianças e novos líderes.
É nesse Supremo pós-garantista que Flávio
Dino chega, rompendo alguns ritos, como os longos rapapés na sessão de posse, e
dando preferência a não realizar o tradicional rega-bofe em que juízes,
procuradores, advogados, políticos e empresários, alguns dos quais com ações na
própria Corte, confraternizavam e muitas vezes dividiam até os microfones em
shows regados a uísque.
Se o lavajatismo é página virada, assim como
a própria operação foi praticamente tornada letra morta pelas recentes
anulações de decisões, outra doutrina, o “alexandrismo”, vigora com status
inabalável. Assim como ocorreu na fase áurea da operação que investigou o
petrolão e relações entre empreiteiras e poder público noutras empresas além da
Petrobras, as decisões do ministro Alexandre de Moraes no vasto leque de
inquéritos e ações presidido por ele são francamente majoritárias.
Dino será mais um integrante dessa nova
corrente, que tende a, por ainda bastante tempo, chancelar sem reservas as
decisões do relator da maior parte das investigações que atingem o
ex-presidente Jair Bolsonaro.
Isso implica dizer que serão inócuas, como
têm sido até aqui, as tentativas de questionar Moraes como relator de qualquer
um desses feitos, o foro dos investigados no Supremo ou mesmo a duração
indeterminada de alguns inquéritos, notadamente o que foi aberto lá em 2019 e
segue como uma espécie de nave-mãe da qual derivam as demais investigações.
É essa hegemonia existente no STF, que, na
visão de muitos analistas e juristas, garantiu a vigência da democracia hoje,
que será o foco das reclamações da oposição daqui até as próximas eleições
presidenciais. A unicidade desse grupo “alexandrista”, mas também a maneira
como o ministro e seus colegas conduzirão as investigações que chegam cada vez
mais rápido perto de Bolsonaro, ditará a capacidade de a Corte sair ilesa e
manter a disposição de “não apaziguar” nas punições àqueles que tentaram um
golpe.
A História recente tem sido feita de
acomodações e, não raro, de reviravoltas no próprio Supremo. O revés da
Lava-Jato só chegou de verdade depois que vazaram as conversas entre
integrantes da força-tarefa e o então juiz Sergio Moro. Por ora, nenhum evento
do tipo “vaza-jato” parece ameaçar o cronograma muito preciso e coordenado que
Polícia Federal e Ministério Público Federal cumprem para dar estofo às
decisões de Moraes.
Dino será um reforço à ala “antigolpe” do
STF, que chega a ter nove integrantes em alguns julgamentos. Será uma voz
eloquente no plenário, porque ninguém acredita que esse início low profile, sem
discurso, durará muito tempo. Ele pode até ter deixado a política, mas não a
oratória. A certeza é que o ex-governador, ex-senador e ex-ministro de Lula
será um alvo preferencial dos bolsonaristas, revezando com Moraes. Nada que
pareça preocupá-lo, muito pelo contrário, aliás.
Verdade.
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