O Globo
Todo funcionário público deveria trabalhar
para o Estado, nunca para atender um governante específico, menos ainda um
partido
Existe no Brasil uma grande confusão entre os conceitos de Estado e governo. Resumidamente, podemos dizer que o Estado abrange toda a sociedade política e é algo duradouro, enquanto o governo é apenas uma das instituições que o compõem — as outras são o Legislativo e o Judiciário. O governo administra apenas o Poder Executivo, e por um curto período de quatro anos, após o qual há eleições. O Estado não pode nem deve servir a nenhum grupo político, porque permeia tudo, sendo soberano, impessoal, estável e permanente. Infelizmente, no Brasil, o Estado tem sido capturado por grupos políticos por meio da figura dos cargos de confiança.
A cada quatro anos, o Brasil troca
completamente sua equipe dirigente nas várias instâncias do Poder Executivo, no
âmbito dos governos federal, estaduais e municipais. Não é o que acontece na
maioria dos países mais avançados, onde, quando se elege um governante —
presidente, primeiro-ministro, governador ou prefeito —, o máximo que consegue
indicar são aqueles que se reportarão diretamente, como ministros ou
secretários estaduais ou municipais. Estes compõem o segundo escalão e não
poderão levar ninguém com eles, nem mesmo um simples assessor. É assim que
funcionam, entre outros, os setores públicos de França, Alemanha, países
escandinavos e Israel. Mas, no Brasil, a cada nova eleição, se o vencedor for
da oposição, tudo o que o antecessor fez poderá ser jogado fora e, certamente,
a roda será reinventada.
Não é por outra razão que existem no país
cerca de 1 milhão ocupando cargos de confiança, segundo o IBGE. Entre estes,
apenas em Brasília residem 30 mil. Praticamente todos os que se reportam a
ministros ou a secretários municipais e estaduais não são, portanto,
funcionários de carreira, que fizeram concurso para atuar no setor público. As
exceções são poucas. O gasto total com os ocupantes de cargos de confiança
beira os R$ 200 bilhões.
O grande problema não é nem o número de
funcionários nem o valor gasto, mas que, a rigor, todo funcionário público
deveria trabalhar para o Estado, nunca para atender um governante específico,
menos ainda um partido político. Há uma captura do Estado. Nada melhor que a
elaboração de uma reforma
administrativa para resolver esse problema.
No entanto, nas discussões que hoje ocorrem,
mesmo no Congresso, fala-se muito em aspectos ligados ao funcionalismo público,
salários, quantidade de funcionários, estabilidade, métodos novos de avaliação
de desempenho, formas para conseguir aumentar a produtividade da máquina
pública etc. Tudo muito importante, mas nada é novo, e deve-se tomar cuidado
para que, nas discussões, não se fuja do que é preciso fazer com os cargos de
confiança, estes, sim, o fulcro daquilo que deveria ser a reforma: acabar com
eles e fazer com que todo servidor público trabalhe para o bem do Estado, e não
simplesmente para o governante daquele momento.
Para que tenhamos um setor público moderno,
precisamos exigir que os trabalhadores tenham sido aprovados em concurso e
façam parte do quadro de carreira, seja do ministério ou da secretaria. O
Brasil tem hoje 11 milhões de funcionários públicos. Não dá para acreditar que
seja impossível encontrar os nomes necessários dentro desse enorme contingente.
Quando chegar esse dia, provavelmente teremos o tão necessário plano de longo
prazo e a estratégia de futuro para o país. Não temos nada disso, pois o horizonte
hoje nunca ultrapassa quatro anos.
* Paulo Feldmann é professor de
administração na USP. Foi presidente da Eletropaulo e diretor de empresas
públicas como Banespa e Caixa
Perfeito.
ResponderExcluirPerfeito.
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