O Globo
Fuga deflagra primeira crise de Lewandowski à
frente da Justiça, e expõe vulnerabilidade de presídios federais
A crise deflagrada a partir da fuga de dois
presos de uma das principais facções criminosas de um presídio federal que, em
tese, era de segurança máxima é de proporções bem maiores que as sugeridas
pelas primeiras providências do Ministério da Justiça e pelas declarações
ligeiras do ministro Ricardo Lewandowski.
Desde que o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal foi designado por Lula para substituir Flávio Dino na pasta que é o centro nervoso do governo, já se sabia que a segurança pública era, a um só tempo, a área mais sensível e aquela com que o indicado tinha menos familiaridade.
Ele, aliás, reconheceu os dois lados da moeda
nas declarações que deu e levou em conta a dificuldade específica quando montou
sua equipe, preferindo convidar alguém com experiência na prática de combate ao
crime organizado para a Secretaria de Segurança Pública, e não um acadêmico
defensor das teses tradicionais da esquerda para o tema.
Lewandowski não esperava que a primeira crise
viesse do sistema federal de presídios, que, desde seu estabelecimento, em
2006, não havia sido devassado por fugas, rebeliões ou infiltrações comuns a
outras prisões tomadas pelas facções. Mas foi de lá que veio o tiro, e a
evidência de que essas instituições são mais vulneráveis do que se imaginava
faz soar um alerta sobre a possibilidade de as organizações tentarem novas
investidas, até mais ousadas.
É justamente por a fuga dos dois presos
oriundos da carnificina ocorrida no ano passado num presídio no Acre ser um
precedente gravíssimo que as explicações de Lewandowski não são nem de longe
satisfatórias. O ministro não dispõe de nenhum elemento fático para afastar a
hipótese de que a fuga dos presos tenha contado com premeditação, planejamento
externo ou grandes quantias de dinheiro, como fez.
O que explicaria, não fossem justamente essas
circunstâncias, os dois, presos em celas individuais, submetidos ao regime
disciplinar mais duro, terem escapado no mesmo horário, usando ferramentas que
nunca poderiam estar à sua disposição?
Lewandowski procurou usar o fato de os
fugitivos não terem contado com um cinematográfico esquema de fuga com carros
para sustentar a tese de que não houve infiltração da facção a que pertencem na
fuga. Mas nem o resultado da perícia estava disponível quando de sua entrevista
breve, em que demonstrou o desconforto de tatear numa área que não é a sua e
usou oratória muito semelhante à que empregava para proferir os votos no STF.
A coincidência da fuga inédita com a ausência
de Lula do país em razão de uma agenda internacional também cai como uma luva
para o intento da oposição de fustigar o governo federal no tema que lhe é mais
desfavorável, a segurança, e, de quebra, tentar equilibrar o noticiário e o
tráfego dos assuntos nas redes sociais, nas últimas semanas tomados pela
sucessão de revelações a respeito dos planos golpistas do ex-presidente Jair
Bolsonaro e de seus aliados.
Lewandowski terá de apertar alguns parafusos
e demonstrar mais garra e empenho na resolução de uma fuga que pode fazer com
que um dos poucos trunfos de que o governo federal dispõe no debate sobre o
combate ao crime organizado, justamente a robustez do sistema carcerário
federal, caia por terra.
Medidas como as que ele anunciou ontem —
reforço de pessoal, adoção de técnicas mais modernas de reconhecimento facial
para acesso aos presídios e construção de uma muralha — denotam certo desespero
na busca por ter o que dizer quando faltam respostas mais prementes e diretas.
Afinal, quase 48 horas depois, os foragidos
não haviam sido recapturados, o que deixa a crise fermentando e contribui para
a sensação, por parte da sociedade, de que as autoridades estão perdidas nas
buscas e na apuração das circunstâncias da fuga.
Pois é.
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