Folha de S. Paulo
Há indícios de fraude ou desvio de finalidade
da isenção de impostos, diz governo Lula
O ministério
da Fazenda suspeita que empresas deram um jeito irregular ou criminoso
de não pagar impostos ao se aproveitar da isenção de tributos federais do
Perse, como
noticiou esta Folha.
O Perse é o "Programa Emergencial de
Retomada do Setor de Eventos", criado em 2021 para socorrer empresas de
feiras, congressos, shows, turismo, entretenimento etc., muitas arrasadas na
epidemia de Covid.
A suspeita vem desde a segunda metade do ano passado, quando a Receita Federal verificava motivos da arrecadação fraca em geral e do valor espantoso da renúncia efetiva de impostos do Perse, muito além da estimada.
O governo notou irregularidades mais leves e
indícios de fraude descarada, como no caso de postos de gasolina, muita vez
utilizados pelo crime para sonegar e lavar dinheiro em qualquer situação.
O assunto explodiu de vez pois:
O governo diz que abrir mão de impostos por
causa do Perse custa pelo menos R$ 16 bilhões (em vez dos estimados R$ 4,4
bilhões para 2024), talvez muito mais, se contadas as irregularidades;
O Congresso está fulo com o governo, que
editou medida provisória para acabar antecipadamente com o Perse até 2025, em
vez de fins de 2026, como previa a lei do programa.
Não apenas por causa do Perse, o governo diz
que passou a requerer das empresas que declarem os benefícios tributários que
recebem.
Recentemente, fechou a chamada
"brecha" que permitia a empresas variadas se aproveitar do subsídio
para investimentos em títulos imobiliários e agroindustriais, de resto uma
distorção econômica aumentada.
Um plano central de Haddad é aumentar a
receita do governo a fim de cobrir o déficit do governo federal e de eliminar
favores tributários, em particular os mais iníquos, o que chama de
"jabutis".
No cálculo da Receita para este ano, o gasto
tributário total estimado seria de R$ 523,7 bilhões. É mais do que o triplo do
gasto anual com o Bolsa Família. A receita federal bruta prevista para 2024 é
de R$ 2,5 trilhões.
Parte desse meio trilhão de isenções
tributárias se destina a pessoas físicas. Outra para instituições públicas.
Parte jamais voltará para o governo (se o imposto for cobrado, o negócio
desaparece).
Há benefícios sérios, alguns algo
inevitáveis. O Minha Casa, Minha Vida. Poupança. Transporte escolar,
aposentadoria de doentes graves. Horário eleitoral gratuito. Instituição de
pesquisa científica e livros.
O grosso, porém, deveria estar "sub
judice". É uma enormidade, quase sempre sem avaliação de custo e
benefício. No total, o gasto tributário equivale a uns 5% do PIB.
Em 2022, a receita dos estados era de 8,6% do
PIB; a dos municípios, de 2,3% (é o último ano para o qual há cálculo oficial
de carga tributária).
Nesta dinheirama estão contados também os
benefícios tributários de políticas industriais, de desenvolvimento regional,
setorial etc. o nome que se dê; de apoio a pequenas e médias empresas (muitas
delas de ricos PJ): Simples, Zona Franca de Manaus, indústrias, agro,
companhias aéreas, subsídio para famílias que pagam plano de saúde e escola
privada.
Estão aí socorros ou incentivos que deveriam
ser temporários e foram prorrogados a perder de vista, como os da Zona Franca.
Esse balaio de meio trilhão causa iniquidades
sociais, distorções econômicas, ineficiências; faz mais gente ou empresa pagar
mais imposto do que outras, facilita o aumento da dívida pública. Facilita
desvios, fraudes, crimes, como diz o próprio governo.
É um alerta para o risco de desvio ou
ineficiências de incentivos tais como os de políticas industriais ou de
"desenvolvimento", como se quer voltar a fazer —não é um impeditivo,
necessariamente. Mas é risco de problema.
Pois é.
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