O Estado de S. Paulo
O presidente quer resolver a crise do jeito habitual, pelo lado pessoal
A desconfiança que Lula nutre por órgãos de
inteligência como a Abin vem de uma dificuldade mais profunda de governantes
brasileiros, que é o desprezo pelo princípio da impessoalidade (recentemente
apontado aqui pelo sociólogo Bolívar Lamounier). De fato, quem assume o governo
assume também que o aparato de Estado pertence ao vencedor da eleição.
Nesse sentido, o que Jair Bolsonaro fez com a
Abin foi devastador. Da mesma maneira como se comportou no setor de saúde,
desprezando estruturas do Estado, Bolsonaro dizia confiar mais no seu “serviço
de inteligência informal”, ao qual tentou subordinar a Abin.
Investigações da PF indicam que a finalidade principal era a proteção de si e da família de investigações criminais. Bolsonaro também não distinguia entre sua pessoa e a figura institucional do presidente da República nas batalhas com tribunais superiores ou a Câmara dos Deputados, nas quais usou a Abin.
Quando Bolsonaro montou a “sua” Abin (e
tentou ter o “seu” Exército), essa agência já sofria da típica disputa entre
órgãos de segurança. “Eles competem entre si, disputam influência com o
mandatário e têm dificuldades em falar um com o outro”, resume um ex-ministro
que tomou conta da Abin.
Bolsonaro enfiou no topo da Abin integrantes
da Polícia Federal de sua confiança pessoal – mas alheios ao funcionamento da
agência. Na qual ainda existia um velho trauma em relação à própria PF: o da
famosa Operação Satiagraha, que prendeu banqueiros e políticos em 2008 sob a
acusação de corrupção e acabou anulada em 2015 por obtenção de provas por meios
ilegais. Da qual participaram operadores da Abin a pedido da PF.
Os serviços de inteligência são tão bons
quanto o uso que os governantes fazem deles – o exemplo recente mais famoso são
George W. Bush e a desastrosa invasão do Iraque em 2003. E quão eficientes são
os órgãos de controle externos sobre essas agências.
No Brasil, os próprios integrantes da
Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência se queixam de que ela
se reúne e sabe pouco – em geral, parlamentares não perdem muito tempo com
defesa e segurança nacional. Data do governo Temer a última política nacional
de inteligência.
Foi a mais recente tentativa de se fixar
institucionalmente a atuação de uma agência de inteligência, da qual nenhum
Estado moderno pode prescindir. Mas, premido pela desconfiança que tem do setor
e pela politização de órgãos de segurança, Lula está tratando a crise da Abin
do jeito habitual.
Busca um amigo do peito em quem possa
acreditar. Esse negócio de confiar em instituições não funciona no Brasil.
É o brasileiro cordial.
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