O Globo
As investigações do planejamento de golpe de
Estado no Brasil revelaram as digitais de militares de alta patente, inclusive
da ativa. Enquanto isso, as Forças Armadas (FA) optam pelo silêncio.
Que seja algo temporário, enquanto aguardam o
desfecho das investigações. Caberiam o reconhecimento da falha por não terem
contido o desvio de alguns de seus membros, o pedido de desculpas à sociedade e
a punição exemplar dos militares golpistas.
O envolvimento de militares na política está
na construção do Estado brasileiro. Começou já na instauração da República;
marcou o período Vargas, da ascensão à queda; ameaçou o interregno democrático
até 1964, quando implantou a ditadura militar que durou 21 anos.
No governo Bolsonaro, os militares ganharam novo status, assumindo posições incompatíveis com sua missão. Pior, a politização e a participação de militares na política são ameaça à disciplina militar e à democracia.
Os diferentes contextos históricos guardam,
em maior ou menor grau, um elemento em comum: a fraqueza de instituições
democráticas num país que lida mal com conflitos na sociedade. Concede-se,
assim, um poder excessivo às FA, que, por sua vez, com frequência extrapola o
espaço concedido. Por suas características ideológicas e organizacionais, as FA
escolheram um indevido protagonismo político, o que historicamente comprometeu
o amadurecimento institucional e a cultura política do país.
O enfrentamento dos enormes desafios do país
passa por uma restruturação do papel dos militares, com a volta definitiva aos
quartéis; a definição de suas diretrizes pelos civis (definidas pelo Executivo
e aprovadas pelo Congresso); e a reavaliação de privilégios que custam muito ao
erário e comprometem os gastos com investimento de natureza militar.
Não que o custo monetário das FA seja alto na
comparação mundial. Seu orçamento representa cerca de 1% do PIB, enquanto os
gastos militares na Colômbia (3,1% PIB em 2022) e no Chile (1,8%) são maiores –
o México gasta menos (0,6%). Tampouco o Brasil tem número elevado de militares
como proporção da população: são 17,3 vínculos ativos para cada 10 mil
habitantes, ante 38 no Chile e 54 na Colômbia.
No entanto, é elevada a proporção de
militares no funcionalismo federal, representando 33% dos vínculos ativos. No
Chile, esta proporção está em 21%.
Do ponto de vista fiscal, além de
supersalários e penduricalhos de uns tantos na ativa, o maior problema reside
nos pagamentos generosos a reformados e pensionistas, com regras nada
comparáveis à experiência mundial. Valem as regras de integralidade (o valor do
benefício equivale à remuneração na ativa) e de paridade (os reajustes de
inativos e ativos são iguais).
A reforma de 2019 manteve muitos privilégios.
O tempo de serviço subiu de 30 para 35 anos, mas não há idade mínima para
aposentar, e foi criado o Adicional de Compensação de Disponibilidade Militar,
que causou robusto incremento aos soldos. Assim, em 2023, foram gastos R$ 32,2
bilhões com inativos.
Do total de pensionistas no serviço federal,
45,3% são relativos aos militares, por conta de regras mais flexíveis para um
indivíduo ser elegível ao benefício. Por exemplo, se o militar faleceu ou
ingressou nas FA até o fim de 2000, está assegurado o direito de pensão das
filhas maiores. Há ainda auxílios financeiros diversos. Assim, em 2023, foram
gastos R$ 26,6 bilhões com pensionistas.
O rombo da previdência militar atingiu R$
49,7 bilhões em 2023, valor próximo dos R$ 54,8 bilhões do déficit do regime
dos servidores civis (RPPS).
As FA queixam-se do reduzido volume de
recursos para investimento, o que certamente compromete suas atividades. No
entanto, isso foi fruto de suas escolhas corporativistas para beneficiar seus
integrantes. Segundo matéria da Folha de S. Paulo, as FA gastaram 85% de seu
orçamento de 2023 com a folha de pagamentos e apenas 5% com investimento (R$
5,8 bilhões); cifras que destoam das observadas nos 29 países membros da OTAN.
As FA devem satisfação à sociedade, provendo
transparência em relação aos gastos, ao patrimônio e às atividades realizadas,
como ocorre em outros países. E os civis não podem mais se omitir na definição
de suas diretrizes, especialmente diante da grave situação da segurança
pública, o que demanda maior controle das fronteiras. As FA precisam sair da
cena política e cumprir o papel a elas delegado.
Veritas quæ sera tamen
ResponderExcluirExatamente!
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