quinta-feira, 14 de março de 2024

Assis Moreira - China acelera exportações para o Brasil

Valor Econômico

As turbulências vão continuar na cena comercial internacional, em meio a tensões geopolíticas, incertezas políticas, erosão das regras internacionais e crescente ‘armamentização’ do comércio

A China sempre importou muito do Brasil. Agora, Pequim registra aumento veloz também de suas vendas para o mercado brasileiro, em meio ao excesso de produção das fábricas chinesas. O Brasil foi o parceiro com o qual a China mais aumentou a corrente de comércio no mundo no acumulado de janeiro-fevereiro, com alta de 33,3% comparado ao mesmo período do ano passado, pelos dados da aduana chinesa.

No geral, as exportações chinesas surpreenderam todo mundo no começo do ano. “As exportações da China estão aumentando. Prepare-se para a reação global”, publicou o jornal “The New York Times”, esta semana, considerando que o avanço mais rápido dos embarques chineses coloca em risco empregos em todo o mundo e desencadeia uma reação que está ganhando força.

No acumulado de janeiro e fevereiro, as exportações chinesas medidas em dólar americano cresceram 7,1%, e as importações, 3,5%, resultando em saldo recorde de US$ 125 bilhões para esse período. Os exportadores derrubaram seus preços, apertando a margem de lucro.

Com isso, a quantidade das exportações chinesas e sua participação no mercado global estão aumentando mais rapidamente. A venda de aço cresceu 32,6% em volume e caiu 10% em valor, de telefone celular subiu 12,8% em volume e caiu 18,2% em valor, e no caso de veículos cresceu 22,1% em volume, mas apenas 10,6% em valor, por exemplo.

A China exporta mais para a América Latina, África e em mercados da Ásia, compensando menos negócios com vários países industrializados, como na Europa (-8,5% para a Alemanha, -16,4% para a Holanda, -4,4% para a França). Suas exportações cresceram 5% para os EUA, enquanto as importações caíram 9,7%.

Sobretudo, o Brasil aparece como o país com o qual a China teve o maior aumento na corrente de comércio em janeiro-fevereiro entre todos seus principais parceiros. As exportações da China para o Brasil expandiram 33,8%, enquanto as importações aumentaram 33,1%, dados que diferem daqueles do governo brasileiro (alta de 47% nas exportações brasileiras e de 14,9% nas importações).

Os chineses estão vendendo de tudo para o Brasil, desde produtos manufaturados de baixo valor, como brinquedos, até semicondutores e agora veículos elétricos. Já as importações vindas do Brasil continuam concentradas em minério de ferro, soja, petróleo e também carnes. A novidade é o milho. O primeiro carregamento para o mercado chinês chegou em janeiro de 2023. Em dezembro, o Brasil já era o maior fornecedor da commodity, passando os EUA, tradicional grande vendedor do produto.

O ministro do Comércio, Wang Wentao, sublinhou que a retomada das exportações chineses depende mais e mais do que ele chama dos “três grandes”: os veículos elétricos, as baterias lítio e os painéis solares. Para parceiros, são setores especialmente turbinados pela política industrial com juros baixos, terrenos públicos quase de graça para construção de fábricas e energia barata.

A União Europeia, que também turbina sua indústria e agricultura com subsídios, prepara-se para impor sobretaxa aos veículos elétricos procedentes da China. Bruxelas afirma ter encontrado “evidências substanciais” de que as agências governamentais chinesas subsidiam ilegalmente essas exportações, algo que a China nega.

A UE planeja igualmente impor restrições à importação de turbinas eólicas e painéis solares da China. A Índia, que já tem um acumulado de medidas antudumping contra produtos chineses, quer sobretaxar o aço da China. A Turquia se queixa de que Pequim exporta demais e compra pouco.

Os EUA mantêm sobretaxas contra produtos chineses adotadas no governo Trump e restringem venda de tecnologia para Pequim. Nesta semana, cinco grandes sindicatos pediram ao governo de Joe Biden para abrir investigação contra a China no setor de navios e logística marítima. O USTR, a agência de representação comercial americana, reclamou que Pequim cria dependências e vulnerabilidades em múltiplos setores, como aço, alumínio, solar, baterias e minerais críticos, “criando riscos reais para nossa cadeia de suprimentos”. Para Pequim, porém, trata-se de puro protecionismo.

A África do Sul acaba de abrir investigação visando sobretaxar a importação de produtos siderúrgicos. Argumenta que o atual surto de importações vai ser aumentado pela agressiva estratégia de exportação chinesa no rastro da desaceleração economica.

Nesse cenário, como fica o Brasil, que obteve superávit de US$ 51,1 bilhões em 2023 com a China, mais que a metade do total brasileiro, que foi US$ 98,8 bilhões? Os chineses compram um terço do que o Brasil exporta, e a evidência é que tem muita alavancagem comercial e política para argumentar contra medidas de proteção do lado brasileiro. Dificilmente o governo Lula vai se queixar publicamente do aumento das exportações chinesas para o Brasil.

Mas é perfeitamente legítimo e necessário que o setor privado busque proteção quando puder provar danos causados pelos subsídios chineses. Hoje, de 80 medidas de defesa comercial em vigor no Brasil, 43 já são contra produtos chineses. Os chineses são habituados com investigação antidumping e antissubsídios de seus produtos.

As turbulências vão continuar na cena comercial internacional, em meio a tensões geopolíticas, incertezas políticas, erosão das regras internacionais e crescente “armamentização” (“weaponization”) do comércio.

 

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