O Globo
Choque imposto por novo governo anima
mercado, mas agrava crise social na Argentina
Javier Milei completou cem dias no poder sem
desligar a motosserra. Ao celebrar a data, o presidente argentino reforçou a
aposta no confronto e na divisão. Insultou adversários políticos, repetiu a
pregação contra a “casta” e ameaçou retaliar os congressistas que votarem
contra seus interesses. “São inimigos da sociedade”, sentenciou.
Eleito com discurso ultraliberal, Milei prometeu um choque para reduzir o tamanho do Estado e acabar com o déficit público. Seu pacote animou o mercado, mas agravou a crise social. A inflação, que já era alta, disparou nos primeiros dois meses de governo. Os salários perderam valor, as famílias foram obrigadas a cortar despesas básicas, e a pobreza passou a atingir 57% da população — o maior patamar em mais de duas décadas.
Na terça-feira, a Comissão de Justiça e Paz,
ligada à Igreja Católica, alertou para o “clima de altíssima fratura social” no
país. Em comunicado, manifestou preocupação com o arrocho salarial, as
demissões em massa e o aumento da fome, que tem superlotado os bandejões
populares. Também lamentou a “enorme insensibilidade social” das autoridades
que comandam o ajuste.
A entidade ainda advertiu para os crescimento
da “cultura de ódio” e do “individualismo extremo” na sociedade argentina. Sem
citar o nome de Milei, descreveu as bases de seu populismo de extrema direita.
O inquilino da Casa Rosada segue a cartilha
de políticos como Donald Trump e Jair Bolsonaro. Em comum, todos apostam na
tática da radicalização permanente. É ilusão esperar que esses tipos possam se
moderar no poder. Se baixarem o tom, eles perdem a aura antissistema que os
elegeu.
Desde a posse, Milei pôs o aparato do governo
a serviço da guerra cultural. Há duas semanas, o alvo foi o Instituto Nacional
de Cinema. Ao anunciar “cortes drásticos” no órgão, o Ministério do Capital
Humano usou uma nota oficial para atacar artistas e realizadores. “Terminaram
os anos em que se financiavam festivais de cinema com a fome de milhares de
crianças”, disparou.
Além de esbravejar contra a oposição, o
presidente mantém a motosserra apontada contra universidades, imprensa,
movimentos sociais e críticos em geral. Só neste mês, acusou os professores de
escolas públicas de promovem “lavagem cerebral” nos estudantes e chamou as
mulheres que defendem o direito ao aborto de “assassinas de lenços verdes”. A
cada medida impopular, ele busca um novo alvo para sua cruzada ideológica. “A
raiz do problema argentino não é política nem econômica. É moral”, tuitou, em
fevereiro.
Em relatório sobre os primeiros cem dias de
governo, a Anistia Internacional denuncia a adoção de “práticas autoritárias
que utilizam o discurso de ódio, a agressão e a desinformação para silenciar e
censurar quem pensa diferente”. O texto também condena a repressão violenta a
protestos. Na segunda-feira, a polícia voltou a dispersar manifestantes com
jatos d’água, gás de pimenta e balas de borracha. A pretexto de impedir o
bloqueio de vias públicas, Milei usa o porrete para lidar com os descontentes.
O mundo precisa de pas,mas tá difícil.
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